segunda-feira, 29 de março de 2010

Campo de batalha

Eu estava sonhando muito gostoso! Sabe aquele sonho romântico, no qual o amor da sua vida (pelo menos o do momento) te nota, fala contigo, mostra interesse? Aquele sonho romântico em que rola uma sintonia entre vocês dois, os olhares brilham e se cruzam constantemente e os pensamentos parecem os mesmos? Aquele sonho romântico em que você a chama pra matar aula e passear no parque, e ela aceita, e lá se vão os dois pombinhos pro meio das árvores aproveitar a manhã que parece não acabar nunca, e ao mesmo tempo passar rápido demais? Aquele sonho romântico em que você acaricia o rosto dela como se fosse uma flor de pétalas delicadas (uma rosa), aproxima sua boca dos lábios dela o suficiente para que ela vença a última e tênue distância antes do beijo? Sabe aquele sonho romântico que sempre acaba na hora do beijo? Era um sonho destes que eu sonhava quando acordei repentinamente.

Não sei por que acordei. Abri os olhos, ainda meio abobalhado por conta do sonho, depois muito frustrado por conta do fim deste. Estava escuro e frio, o que indicava ser muito cedo ainda. Logo em seguida minha mãe levantou-se sobressaltada e sacudiu-se toda, parecia um cachorro saindo de um banho forçado.

Insatisfeita levantou-se, ascendeu a luz e “fez uma busca” em sua cama: mexeu e remexeu nos lençóis e cobertores, atrás de um inimigo oculto – pra mim inexistente. “Você tá cada vez mais doida” - falei. Resignada, mas não convencida, ela apagou a luz e voltou pra cama.

Foi quando eu ouvi. Não sei como descrever o barulhinho peculiar, parecia uma sacola plástica sendo amassada. Mais tarde minha mãe diria que era o som de um helicóptero.

Mamãe, aliás, deu-me um susto dos diabos! Mas não a culpo, ela mesma tomou um muito maior que o meu, por conta do barulhinho. Deu um grito gutural, nascido de suas entranhas mais profundas, e saltou (com uma habilidade incrível para sua idade) em minha direção. Ascendeu a luz, e pude notar sua cara de pânico (acentuada pelo cabelo emaranhado, o inchaço facial característico de quem acaba de acordar e os olhos cheios de meleca).



    • O que foi? - perguntei levantando-me, com urgência na voz.

    • Tem alguma coisa andando em mim! - respondeu-me, com histeria na voz.

    • A, pára mãe, vai dormir! Tá ficando velha mesmo!

    • OLHA LÁ!!!!!

    • O que, aonde?

    • LÁ!! DO LADO DA MINHA CAMA! AAAAAAAAAAAAAAAAAARGH!

    • Calma mãe! É só uma barata (voadora)!

Na verdade parecia um morcego – não, um pterodátilo – mas eu não podia dizer, precisava acalmá-la e, mais do que isso, criar coragem pra salvar o mundo. Preciso admitir: morro de medo de baratas, especialmente as voadoras! Na verdade, tenho pavor de qualquer bichinho que possa caminhar livremente sobre minha pessoa sem que eu possa vê-lo ou impedi-lo – especialmente os voadores.

Enquanto eu procurava armamento pesado para lidar com o “Monstro do Lago Ness”, minha mãe – que não é boba nem nada – saiu de casa, ou pelo menos tentou.



    • AAAAAAAAAAAAAAAAAAAAAARGH!!

    • O QUE FOI MÃE?

    • TIROLÊS, SEU #%&#%#&! - Tirolês é nosso cocker, que ansioso pra ajudar deu outro susto em minha mãe, que por sua vez deu outro susto em mim.

    • Pô mãe, deixa eu me concentrar!

Achei o que procurava – meu tênis 43. Aproximei-me com muita cautela do inimigo, que parecia desdenhar de minha presença. Tentei parar a tremedeira mas não consegui. Concentrei-me o máximo que pude, mirei cautelosamente e...PAAAAAAAAAF!!



    • Ela correu pra lá! Pô Robson, não acredito que você errou! E agora?

    • Calma mãe, eu acho ela de novo.

    • OLHA ALI! NA CÔMODA!

    • Faz silêncio!

Refiz todo o procedimento anterior, desta vez um pouco mais seguro. Pensei comigo: posso errar uma vez, mas não duas! PAAAAAAAAAAAAAF!!

Que nojeira! Nunca vi uma barata tão cremosa! Blergh! Da onde saiu tantas asas?

Matei o bicho, mas fiquei com a sensação de que venci apenas uma batalha, não a guerra. Como não tinha mais clima pra voltar a dormir – tampouco sonhar – aprontei-me e fui pra escola.

Robson Ribeiro

Saudade

Saudade é lembrança boa,

lembrança boa é felicidade.

Felicidade é sorrir à toa,

sorrir à toa traz tranquilidade.

Saudade não se explica,

sabe o que é quem sente.

Uma coisa etérea, mística.

Domina coração e mente.

Digo-lhe, sinto saudade!

Agradeço pelas lembranças,

o faço do fundo do coração!

Digo-lhe sem vaidade,

não guardo esperanças

pra não perder a razão...

Robson Ribeiro

segunda-feira, 22 de março de 2010

Carpe Diem

O que será que ela vai dizer? Tenho certeza de que vai adorar a boa notícia! Nós esperamos tanto por isso! Me lembro quando tudo começou. Éramos dois adolescentes que se conheciam desde a infância. Talvez essa proximidade tenha despertado o amor entre a gente, ou talvez tenha sido tudo arquitetado antes mesmo de nascermos...

Deve ser isso. Destino! Só o destino explica nosso amor! Tantas idas e vindas durante a vida, mas sempre acabamos juntos. Meu primeiro beijo, minha primeira vez – a Aline esteve sempre lá. Carinhosa de um jeito que só ela consegue e com um fogo que só ela tem! Como eu amo essa mulher!

Caramba! Como esse trânsito tá carregado hoje! Parece de propósito! Parece que adivinhou que eu estou com pressa, super ansioso pra contar logo a novidade pra Aline! Ah, Aline. Até que enfim as coisas vão fluir em nossas vidas! E pensar que ainda ontem eu não tinha nenhuma idéia do que fazer... como um dia – melhor, algumas horas (!) podem fazer tanta diferença?!

Ela sempre dizia: “Wesley, tenha fé! Tenha fé de verdade! Fale com Deus de peito aberto, peça orientação, peça ajuda! Ele nunca falha com a gente!”. Confesso que não acreditava nisso, e talvez por não acreditar, as coisas não saíam do lugar. Mas aquele dia, naquele dia eu falei com Deus. Como não falar com Ele quando estamos aos pés do Cristo Redentor, e este no topo do Corcovado de braços abertos pr'aquele mundaréu de água cristalina? Falei com Deus e pedi um sinal, que chegou uma semana depois: mengão hexacampeão! Só mesmo um milagre pro mengão levar aquele caneco!

Nossa, nem acredito! Até que enfim consegui sair daquele ônibus! Que ônibus LOTADO! Como podem sujeitar seres humanos a essa situação? É desumano o tratamento que recebemos nesse país... mas isso vai mudar pra mim! Agora eu tenho certeza disso! Deus respondeu minhas preces, atendeu meus pedidos! O que será que a Aline vai dizer?

Preciso andar logo, o Santa Marta não é um lugar muito legal quando escurece. Que barato, um gringo vem aqui, grava um video-clipe e todo mundo acha que a “comunidade” é um lugar bom de se viver... É claro que há muitas pessoas de bem – a maioria. Mas o que pode a maioria contra uma minoria bem armada, que tem apoio da polícia e da política? Nada. Quero ver o que vai ser dessa Olimpíada...

Que barato! Lembro quando Aline e eu andávamos, corríamos, pra lá e pra cá, com aquele “havaiano” gasto no pé, cuja alça arrebentada era presa com um arame. A gente não fazia noção do que é o mundo – mas éramos tão felizes! Mais até do que somos hoje. As vezes eu acho que a ignorância é uma benção. Quem nunca fraquejou que atire a primeira pedra! Eu, porém, não penso mais dessa forma! Hoje minha vida mudou! Posso ver os olhos da Aline brilhando quando eu contar a novidade!

Droga, escureceu. Não consegui chegar a tempo! Aquele trânsito infernal... Mas tudo bem! É só não olhar pros lados! Abaixar a cabeça e subir rapidinho! Talvez eu passe despercebido. Como eu detesto isso! O Júlio costumava ser como um irmão pra mim, e agora eu tenho que me esconder dele, me esgueirar pelos becos do morro pra não ser visto. Eu sei que no fundo ele só quer me ajudar – afinal, ninguém pode ser pai sem uma fonte de renda. Mas o que ele me oferece não é exatamente a fonte de renda que eu espero. Quero criar meu filho!

Meu filho! Ainda não me acostumei com isso! Vou ser pai. PAI! Será que eu estou pronto pra tanta responsabilidade? Bom, hoje eu dei um grande passo! E a Aline? Ela sim tem jeito pra ser mãe! Como ela está linda com aquele barrigão de 8 meses! Tomara que ela esteja no barraco da mãe dela, preciso contar a boa nova!!

Não acredito. Começou de novo. Será que o Júlio cai esta noite? Eles têm trocado tiros a semana toda. Melhor eu andar logo. Ai! Que fisgada no peito! Nossa, tá queimando! Isso é sangue? MEU DEUS, ISSO É SANGUE?! Cadê a força das minhas pernas? Cadê minha voz? Socorro! Preciso de ajuda! Está tudo ficando preto...

Que luz é essa?

Robson Ribeiro

quarta-feira, 17 de março de 2010

Um programa em família



  • Faz muito tempo que aconteceu...

  • Tudo bem, tente se lembrar. Qualquer coisa!


OPA! Peraí. Deixa eu recomeçar, isso tá meio “Titanic” demais.

Faz muito tempo que aconteceu, mas eu vou tentar lembrar dos fatos para reproduzi-los fielmente – na medida do possível.

Eu tinha 16 anos, rockeiro e rebelde. Meu pai tinha 39 anos, rockeiro e rebelde.

Eu estava assistindo ao “Intercine”, um programa que exibe filmes antigos de madrugada. Não lembro qual filme era, exatamente, mas certamente tratava-se de algum “clássico oitentista” que eu adoro, tipo o Rambo ou o Exterminador do Futuro.

Era sexta-feira. Como um cão habituado com o dono, notei de longe: ele estava chegando. O portão do prédio bateu, ouvi passos pesados na escada – apoiados no corrimão, fazendo um estardalhaço dos diabos – e o sinal definitivo: a chave que não encontra o buraco da fechadura por nada no mundo!

Finalmente, meu pai abriu a porta. Olhou-me com uma expressão intrigada e abobalhada. Abriu um sorriso sincero e perguntou: “o que foi?”. Ele estava bêbado.



    • Fala Robsão! Dá um beijão aqui!




Não pude escapar de seu abraço pegajoso. Recebi o beijo mais molhado que garota nenhuma jamais me deu.

Ele sentou-se para tirar os tênis, quando uma lâmpada acendeu-se sobre sua cabeça – juro que pude ver a lâmpada! Acho que esta mesma lâmpada tem visitado caras como Einstein, Newton e o doutor Emmett Brown ha séculos!

Rapidamente (tanto quanto possível, ele estava bêbado, lembra?) meu pai amarrou novamente os cadarços dos tênis e, de maneira triunfal, contou-me sua idéia:



    • Vou te levar num barzinho de Rock'n Roll!!




Não preciso dizer que aderi com prontidão. Adoro uma farra descabida!!

Sentado no passageiro de um Gol “Batedeira” (o modelo mais antigo, cujo motor bate como uma batedeira) fui com meu pai rumo ao desconhecido.

O bar em questão é o extinto “Novo Aeon, o Pontão do Rock”, um barzinho-boteco de rock, que ficava na Av. Robert Kennedy (São Paulo – SP).

Meu entusiasmo caiu de quatro (olha o respeito!) quando chegamos. O bar estava fechado. Tudo bem – pensei – eu nem queria mesmo...

Mas meu pai não se deu por vencido. Fez a primeira conversão proibida que encontrou, com a sutileza de um elefante numa loja de cristais (ele estava bêbado, lembra?) e, como um GPS, atualizou a rota: “vamos ao GLS!”. Gays, Lésbicas e Simpatizantes – balada homossexual.

O GLS era um ambiente “super familiar”. Uma baladinha com uma pista de dança e um bar nos fundos do salão.

Meu pai foi logo entrando sem pudores. Para minha surpresa, ele já conhecia o segurança da casa! Dentro do recinto, fiquei SUPER encabulado. Meu pai, ao contrário, não titubeou (ele estava bêbado, lembra?). Foi direto para a pista e dançou ao sons de “I Will Survive” e “Macho Man”.

QUE DESESPERO! Os “rapazes” começaram a juntar-se ao redor do meu pai, que bêbado (lembra?) estava vulnerável – uma presa fácil! Não tinha o que fazer. Só pude fechar os olhos e esperar pelo pior: encarnei o personagem, me embrenhei na roda de “machos” e agarrei meu pai. Dançamos coladinhos, lindo! As garotas mais românticas teriam sem lembrado de Patrick Swayze e Jennifer Grey em “Dirty Dancing – Ritmo Quente”. Acho que aqueles “meninões” lembraram...

Missão Resgate concluída, tratei de tirá-lo dali. Na saída, a cereja do bolo, para fechar a noite com chave de ouro: uma mão me agarrou o ombro!

Minhas pernas tremeram, o coração acelerou, a respiração ficou ofegante. NÃO, EU NÃO ME APAIXONEI POR NINGUÉM! Estes também são sinais de medo e alerta, causados pela adrenalina liberada na corrente sanguínea.

Uma voz pastosa e insolente – e para meu espanto, conhecida – falou-me ao pé do ouvido:



    • Nuoooooooooooossa! Não sabia que você gostava desse tipo de “rolê”...!




Virei pra trás, não resisti. ESPANTO! Tratava-se de ninguém menos que um dos meus professores do colegial! Rapidamente expliquei-me:



    • Hehe – sorriso amarelo – não é nada disso que você está pensando. Estou aqui com meu pai.




Será que eu esperava que ele acreditasse?



    • Aham, eu sei. Todos os meus amigos aqui dentro estão passeando com o papai também!




Passei o braço em volta do ombro do meu namorado, digo, pai, e saí de lá.

Meu pai nega. Diz que não se recorda de nada – ele estava bêbado, lembra?

Robson Ribeiro



segunda-feira, 15 de março de 2010

A Praia II – A missão!

- ...e você lembra quando a gente foi pra Trindade?
- Mas é claro! Como poderia esquecer? Esse seu peruzinho já colocou a gente em cada fria...
- Ah vai. A culpa não foi dele. Foi daquela garota linda com mais ou menos 1,67 de altura, talvez uns 55 quilos, negra, cabelos e olhos castanhos, com “tudo em cima”. Quase uma “globeleza”…
- Sei. Difícil foi explicar isso pro namorado dela né? Aquele armário gigantesco!
- Nem fala! Num instante eu tava recebendo um beijo e no outro um soco – a boca não entendeu nada!
- Mas eu sim. O que você tem na cabeça? Na debaixo, pra ser exato, pois na de cima eu sei que não tem nada! Armar a barraca embaixo da garota que tava te salvando a vida!
- E você escolhe essas coisas, por acaso?
- Escolher não, mas controlo!
- Você é um monge, isso não conta...
- Monge? Só se for chinês, ou você esqueceu do “Kung-fu” que eu dei no “Tropeço” pra ele te largar?
- “Kung-fu”? Hahaha! Você se pendurou no pescoço dele e lhe deu uma mordida no ombro, parecia uma moça brigando!
- Moça é? Então agradeça a mocinha aqui por você ainda ter todos os dentes na boca.
- Hahaha, você quem quase perdeu os dentes quando fez aquela aterrissagem forçada de cara na areia!
- Verdade! O cara parecia o Hulk, como ele conseguiu me jogar tão longe?
- Não sei, só sei que ele veio pra cima de mim cuspindo fogo, parecendo a mula-se-cabeça, e nada do meu piu-piu se recolher! Acho que isso o deixava cada vez mais brabo!
- Gente, que visão horrível: você, que de tão branco parecia transparente, correndo com a espada em riste e o “gigante Grope” correndo atrás de você, com os PUNHOS em riste! E tudo isso naquele paraíso tropical!
- Caramba, eu nunca tive tanto medo! Parecia que eu estava num daqueles pesadelos em que a gente grita, grita, grita, mas não sai som nenhum...
- Ah, mas saía som sim! A praia toda parou pra assistir, todos curvados de tanto dar risada!
- É, e nenhuma alma pra me acudir!
- Opa, deixa de ser ingrato! Te salvei, e fiz um senhor sacrifício, diga-se de passagem!
- Não posso negar, mas fazia questão de não lembrar disso...
- Ugh, eu também! Que coisa degradante! Não que eu tenha algo contra a quem faz, mas eu espero nunca mais fazer aquilo! Coitado do “Pitbull”, ficou com a cara no chão!
- Ficou mesmo! O que a gente não conseguiu com porrada você conseguiu com...
- Nem mais uma palavra!
- Puxa, mas aquilo foi tiro-e-queda! Mais queda do que tiro, se é que me entende!
- Vocês estão falando de Trindade de Novo?
- Oi Carol!
- Como vai Anderson? E você amor?
- Melhor agora meu bem! Estava lembrando de quando nos conhecemos...
- Sei! Vocês estavam lembrando é daquele beijo cinematográfico! Beijo de novela! Hahaha!
- Pode rir, mas devia me agradecer! Só mesmo dando uma de gay praquele brutamontes deixar o Joca com vida...

Robson Ribeiro

sexta-feira, 12 de março de 2010

Seja bem-vindo, amigo conflito!

conflito
s. m.
1. Altercação, desordem.
2. Pendência.
3. Choque.
4. Embate.
5. Luta; oposição; disputa.

Acho que este dicionário esqueceu de mencionar a palavra “dor” nesta definição.
Ha algum tempo notei uma coisa: nós, seres humanos, só nos movemos quando há conflito – seja ele de qualquer natureza. Nós só crescemos através do conflito. Descobrir isto me fez muito mal. Afinal, por que só podemos crescer através do conflito e, por consequência, através da dor?
Em tudo que olho, eu o vejo sempre lá: relação de pais e filhos, conflito. Relação de amantes, conflito. Relação de irmãos, conflito. Há, então, conflito, porque há a amor? Não. Relação de chefe e subordinado, conflito. Relação entre desconhecidos, “que surpresa”, conflito. Há então conflito porque há relação. Isso me parece mais óbvio e lógico.
Ao longo da história (des)humana o conflito está sempre presente. Analisando a sociedade de forma parecida com que fez Aristóteles na sua “Política”, desde a família até o mais amplo círculo da vida social podemos encontrar o conflito. De uma briga doméstica a uma Grande Guerra – ele está lá, onipresente como o Criador.
Não gostava – falo no passado, e explico daqui a pouco – do conflito porque este sempre trouxe (e ainda traz) consigo uma grande (over)dose de sofrimento e dor, que geralmente chegam antes - e sem serem chamados – do crescimento. Como a longo prazo não basta cuidar apenas dos sintomas, foquei na causa do problema, e vi no conflito meu inimigo – apesar de ser um mau necessário.
Então passei a evitar o conflito a todo custo. Levei uma vida de cordeiro. Muito ganhei em doçura, e muito perdi em firmeza. E como diz aquela famosa frase atribuída a Che Guevara (digo atribuída porque perdi minha fé no pseudo-comunismo faz tempo), “Temos que endurecer sem perder a ternura”. É necessário que se mantenha a firmeza ao lado da doçura, como gêmeas siamesas. Descobri isso ha poucos dias.
Acontece que “eu subi a montanha mais alta”, como diria Bono Vox, e nela encontrei um mestre – até mesmo um mentor espiritual – que me deu uma valiosa lição. Valiosíssima! Numa única frase ele elucidou o meu conflito (olha ele aí).
Assim disse Martin Luther King Jr., famoso ativista negro norte-americano, que fez de sua vida uma luta contra a segregação racial – um câncer nos E.U.A. - e um dos maiores responsáveis pela estadia de Barak Obama na Casa Branca:

“Nós temos que mudar nossa forma de lidar com o conflito, sem violência, sem agressão”.

Mágico!
A teoria de não-agressão não é de autoria de King, mas sim de Henry David Thoreau, conterrânio de Martin. Consiste basicamente em não agredir seu opositor – porém sem abrir mão de seus direitos e necessidades. “Endurecer sem perder a ternura”. Ser doce e firme. E sem dor.
Mahatma Gandhi valeu-se deste conceito para libertar a Índia do domínio inglês, e serviu de inspiração para Martin, que alcançou seu intento da mesma forma. Martin, porém, foi assassinado antes de ver sua obra completa – e previu isso. Martin foi doce como um cordeiro, e firme como um cordeiro. Assim como Jesus.
Sinto-me mais à vontade com o conflito agora, pois descobri como lidar com ele: sem agressão! Não preciso evitá-lo, apenas ser firme e doce, sem violência, e assim desfrutar do crescimento que ele proporciona. Posso dizer que o conflito é necessário, sem necessariamente ser mau. Basta mudar a forma como lidamos com ele. Conflito aliás é uma idéia, e como qualquer outra, é boa ou má de acordo com o homem que a carrega.

Robson Ribeiro

quarta-feira, 3 de março de 2010

A Praia

A gente resolveu assim, por impulso:



    • Vamos?

    • Vamos! Você já foi alguma vez?

    • Sim, uma vez só.

    • E como é?

    • Ah, não dá pra explicar, só indo mesmo...

    • Certo!




Agora eu entendo o que ele quis dizer. Não dá pra explicar.

Assim que chegamos à praia, tivemos de tirar a sunga:



    • Ai meu Deus, que vergonha! Vou esperar ele tirar primeiro – pensei.




Ele tirou naturalmente, com a calma de quem já o fizera algumas vezes.



    • Nossa, é desse tamanho mesmo? Não parece muito diferente do meu. Se o do negro não é grande, será o do japonês pequeno como dizem?




Tirei a sunga. Nunca pensei que sentiria tanto frio na região púbica. E que vergonha. Parece que todos os adeptos do nudismo daquela praia brotaram da areia só para apreciar minha “primeira vez”.



    • Vai ficar aí parado? – ele perguntou. Vamos dar uma volta!




Sem falar nada, acompanhei-o. É no mínimo peculiar a sensação de andar com as “coisas” balouçando ao sabor do vento. É quase como andar pelado em casa, com a diferença que em casa não sopra nenhuma brisa, e ninguém está te olhando. Mas verdade seja dita: numa praia de nudismo ninguém fica “te olhando”.

O nudismo é como uma filosofia de vida. Os adeptos desta prática buscam a libertação de valores morais forjados em nossa mente séculos a fio pela igreja. E para eles, nada melhor do que mostrar-se completamente nu, e assim destruir toda e qualquer barreira dogmática presente nas relações humanas. A prática é associada ao naturismo, que abrange ainda o contato com a natureza e práticas alimentares baseadas no consumo de vegetais. Os princípios naturistas são assim definidos pela Federação Internacional de Naturismo (INF): “Um modo de vida em harmonia com a natureza, caracterizado pela prática do nudismo em grupo, que tem por intenção favorecer o auto-respeito, o respeito pelo outro e o cuidado com o ambiente.”

Isso é tudo o que li a respeito do nudismo, e o que me levou a experimentá-lo. Mas na prática, não ajudou muito pensar nisso quando precisei. Explico: estávamos andando pela praia, com os pés na água, quando a vi. Uma garota linda com mais ou menos 1,67 de altura, talvez uns 55 quilos, negra, cabelos e olhos castanhos, com “tudo em cima”. Quase uma “globeleza”!

Antes de mais nada, gostaria de deixar claro o respeito que tenho pelos praticantes do nudismo. Jamais quis ofendê-los ou qualquer coisa do gênero. Na verdade, sou a verdadeira vítima da história. E então...

Aconteceu. Não pude fazer nada. Não quero ser desagradável, mas tenho que dizer. Como falam por aí, a barraca armou, o júnior cresceu, o ganso acordou etc, etc,etc.



    • Ai meu Deus, que que eu faço? - pensei. Caaaaaaalma cocada! Olha pro outro lado! Concentração! Para com isso! Volta! Ai meu Deus! O Tiririca! Visualiza o Tiririca! Credo! Nem o Tiririca desanima o bicho! Jesus, misericórdia! Ai ai ai, está vindo uma família, com duas crianças! Eles vão me ver assim! Pensa, pensa, PENSA!!




O que aconteceu depois foi tão rápido que mal me recordo para escrever. Num espasmo fui parar dentro da água, que rapidamente me cobriu a cintura. Antes que pudesse me sentir aliviado, uma onda que deixaria muito surfista com um sorriso de orelha-a-orelha me atacou. Rodei, rodei e rodei. Raspei as costas no chão, bebi muita água e apaguei.

Quando acordei, estava recebendo uma respiração boca-a-boca de uma garota linda com mais ou menos 1,67 de altura, talvez uns 55 quilos, negra, cabelos e olhos castanhos, com “tudo em cima”. Quase uma “globeleza”...



    • Ai meu Deus -pensei - de novo não!


    Robson Ribeiro