terça-feira, 28 de dezembro de 2010

O Sétimo Dia

Essa canção é para inaugurar uma nova área do blog: músicas, onde vou postar algumas de minhas composições. Obrigado pelas visitas de sempre!


O Sétimo Dia

Sete sábios não podem explicar

Algo se reparte para somar

Sete artes não podem expressar

esse sentimento que me rouba o ar

Sete cores pintam minha emoção

melhor que o vermelho da paixão

Sete notas eu botei nesta canção

por ela abro meu coração

Sete virtudes eu quero conhecer

pra te dar mais do que prazer, pra te dar todo o meu ser

Sete vidas não me bastam pra viver

Mas em sete dias pude amar você

Sete mares eu quero explorar

conhecer o que te faz sorrir, descobrir o que te faz chorar

Sete cabeças eu vou cortar

se alguém ousar te machucar

Sete chaves guardam meus segredos

o que me faz feliz, o que me faz ter medo

Sete pecados me provocam o desejo

Mas eu sou forte, eu nos protejo

Sete virtudes eu quero conhecer

pra te dar mais do que prazer , pra te dar todo o meu ser

Sete vidas não me bastam pra viver

Mas em sete dias pude amar você

Sete estrelas revelam o meu amor

Brilham sempre por onde eu for



Robson Ribeiro

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Saudade

S into-me sozinho
A gora que estás distante.
U m pássaro sem ninho.
D ividido por um instante,
A inda inteiro sou metade.
D ois, somos uma unidade,
E separados tudo é saudade.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Só um comunicado

Removi a última postagem do blog, sobre minha viagem à Mar del Plata porque decidi dar continuidade ao texto, fazer uma espécie de novela e por isso achei melhor montar um blog só pra isso. Assim, aqueles que desejarem ler os textos, peço que visitem o blog www.minhasnotasdeviagem.blogspot.com

Muito obrigado pelas visitas de sempre!

Robson

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Uma peça do Destino

Dezessete horas, seu expediente acabou. Num relance pensou ter visto a imagem da moça na janela a lhe esperar do lado de fora, como era costume quando ainda eram namorados mas não, ela não estava lá. Há alguns dias ela não aparecia.

Ele organizou os micrômetros e os blocos-padrão (instrumentos de medição geométrica de precisão, muito utilizados na indústria metalúrgica) no desempeno de granito (espécie de bancada para trabalhos de medição) e tirou as luvas cirúrgicas. Pegou o cd no computador e, ao guardá-lo na caixinha enquanto desligava o PC, não pôde deixar de ler novamente a dedicatória no encarte do cd: “Feliz nosso primeiro dia dos namorados. Eu te amo, Rá”.

Aquele foi um dia dos namorados inesquecível para ele, e não pelo fato de ganhar um cd do John Fogerty – seu ídolo, líder do Creedence Clearwater Revival – mas sim por ser o seu primeiro dia dos namorados ao lado de uma namorada. Ex-namorada, agora. “Se ao menos ela respondesse meu email...” - pensou.

Tirou seu avental branco, as pantufas descartáveis dos pés, pegou sua bolsa e saiu, trancando a porta do Laboratório de medição e calibração da Escola. Apesar de ser apenas um estagiário, gozava de plena confiança dos seus superiores, inclusive para encerrar o expediente sozinho. Foi direto para o banheiro se trocar, mas não iria embora. Ainda teria uma longa jornada de aulas para assistir. Pelo menos teria um pequeno intervalo para se distrair um pouco.

A camisa do uniforme da escola deu lugar à camisa do Iron Maiden, banda de heavy metal britânica que adorava, e a calça jeans ao calção da equipe de futebol da Eletropaulo, time do qual fizera parte no ano anterior. Ao chegar na quadra da escola, não pôde evitar dar uma olhada no banco onde costumavam namorar antes das aulas – e só antes mesmo, pois ela jamais lhes permitiu matar aula. “Talvez ela tenha lido o email. Talvez ela venha pro nosso banco, pra fazermos as pazes...” - ele ainda gostava dela, ainda tinha esperanças de reatar o namoro.

A verdade é que isso era impossível. Ela havia sido muito clara naquele dia: não o amava mais. Mesmo que ele não pudesse enxergar, ela falava sério – não era só uma briga adolescente como das outras inúmeras vezes em que romperam 'virtualmente' a relação.

Ele foi o primeiro a ser escolhido – era um ótimo goleiro, de fama entre as salas da escola, e contar com um bom goleiro era meio caminho para a vitória. “Meu tio ficaria orgulhoso de me ver jogando no gol, seguindo os seus passos” - ele tinha um carinho especial pelo tio goleiro.

“Hoje eu não quero tomar nenhum gol. Se hoje eu não tomar nenhum gol, ela vai aparecer naquele banco pra gente reatar!” - mesmo com seus quize anos, ele ainda fazia esse tipo de aposta com o destino, e tinha lá suas razões, no semestre passado havia funcionado: “Se hoje eu fizer um gol, vou ficar com essa garota”. Ele fez três, e namorou a moça por dez meses. Seu time, porém, perdera aquele jogo pelo placar de dezesseis a quatro.

O jogo começou.
Ele nunca fora tão 'bombardeado' num único jogo. Acontece que o rapaz que escolheu o time o fez muito bem quando o pegou para goleiro, mas os jogadores de linha eram um completo disastre na defesa. Mas ele gostava assim – gostava de participar do jogo, e nada melhor para um goleiro quando o time não se defende muito bem.

“Queria que ela tivesse aqui vendo isso! Hoje eu tô fora de série! Já vencemos três partidas e ainda não tomei nenhum gol!” - ele estava muito contente com seu desempenho. Faltavam apenas quinze minutos para bater o sinal de início das aulas. Foi então que aconteceu.

Ela veio chegando, andando pelo caminho ao lado da quadra em direção ao banco deles. Ele não conseguiu tirar os olhos da moça, que estava linda como sempre. Ele estava radiante, não podia acreditar que ela estava ali. Ela passou por ele e os olhares se cruzaram por um instante. E nesse mesmo instante veio o chute.

A bola entrou. Ele tomou um gol.

Ele olhou pra traz a tempo de ver a bola estufar a rede e a moça passar direto pelo banco deles, e entrar no refeitório da escola.

Eles nunca mais reataram o namoro.


Robson Ribeiro

Sobre a Amizade

Não é possível determinar quando começa a amizade,

parece até que ela sempre esteve ali, esperando o momento

certo para se mostrar, vir à tona, sair da clandestinidade

da existência e se tornar o remédio para qualquer sofrimento.


Quem tem amigos não tem nada a temer nem tampouco a perder,

porque o amigo nunca te ignora, nunca te esquece, nunca te abandona.

O amigo, mais do que ninguém, sabe como é difícil a arte do viver

e por isso mesmo está sempre pronto a perdoar, te levantar da lona.


O amigo te permite sorrir, chorar e até se zangar, sem julgamento.

O amigo te permite cometer toda sorte de erros, com paciência,

e no momento que você cai em sí, ele é seu primeiro (não último) alento,

o lugar para onde você sempre pode voltar em caso de emergência.


Não posso determinar quando começou a nossa amizade,

mas posso dizer que nada pra mim é tão especial como essa relação!

Não posso determinar quando começou a nossa amizade,

mas digo que fim nunca terá, pois você mora no meu coração.


Robson Ribeiro

terça-feira, 5 de outubro de 2010

11 de novembro

Há muito tempo a moça não sentava naquele degrau sozinha. Mais ou menos nove anos. “...venha, sente-se aqui comigo! Esse degrau é muito importante pra mim, sabe? Desde pequena eu me sento aqui para observar as pessoas e pensar na vida. É meu lugarzinho especial, e à partir de hoje é o nosso lugarzinho especial...” foi o que ela lhe disse na primeira vez que sentaram-se juntos naquele degrau.

Perto dali o rapaz ainda resmungava em pensamento: “...diabos! Por que tinha que fazer tanto frio hoje? E essa neblina? Justo hoje essa maldita neblina tinha que aparecer? Nada mais poderia me brochar tanto...”

“...parece que, como eu mesma, o céu não consegue mais chorar. Essa neblina também domina o meu coração. Que coisa. A última vez que estivemos aqui o dia estava tão lindo, claro, ensolarado, quente...” pensava a moça, ignorando quase completamente o cartão postal que se erguia diante de seus olhos.

Mas ao rapaz não passava despercebido. Na verdade, sua única razão para sair da cama quente – mas não muito macia – do hotel naquele dia frio era visitar aquele lugar tão famoso. “...sinceramente, eu não vejo nenhuma graça nessa...”
- One Euro! Six of them for one Euro! - Um vendedor ambulante interrompeu o pensamento do rapaz.

    • Sorry, I don't speak english – respondeu o rapaz, da forma como fora orientado por seu irmão.

    • Tu compras seis por uno Euro – arriscou o vendedor poliglota.

    • Sorry, thank you – disse o rapaz saindo rapidamente de perto do insistente vendedor.

“...caramba! Que cara insistente! Eles deviam proibir esses vendedores ambulantes, botar a polícia em cima, sei lá! Definitivamente, eu não deveria ter saído daquela cama hoje!”

“...eu tenho dó desses vendedores. No fundo, eles só querem ganhar a vida de forma digna e honesta. Mas eles poderiam ser menos invasivos também...De qualquer forma, é uma ótima estratégia saber uma ou duas frases em vários idiomas, afinal todo turista fica feliz em ouvir a própria língua longe de casa...” pensava a moça, num raro momento de distração. Ainda era muito difícil pra ela lidar com a perda.

O rapaz, ao contrário, estava bem concentrado procurando sua máquina fotográfica em sua enorme mochila de viagem. “...ai meu Jesus Cristo! Onde foi que eu enfiei aquela máquina? Eu vou me matar se tiver esquecido aquela porcaria no hotel. Eu preciso tirar uma daquelas fotos básicas pra botar no Orkut, como todo mundo que vem à Paris faz: num ângulo de baixo pra cima, onde meu rosto aparece em primeiro plano e aquela geringonça lá traz. Pelo menos isso...”

“...que ironia esse sorriso enorme no meu rosto. Não, irônico é o motivo do sorriso – o mesmo que me fez chorar nos últimos sete meses, até minhas lágrimas secarem...” pensava a moça ao olhar pra foto que ainda mantinha em seu telefone celular, onde aparecia naquele mesmo degrau abraçada com seu ex-namorado.

O rapaz, com a câmera em mãos, sentia-se mais aliviado. Antes de seguir caminho, porém, achou que seria bom ter uma foto dali, onde poderia pegar a maior parte do imponente edifício atrás de si. “...melhor pedir pra alguma mocinha, geralmente as mulheres são mais gentis. Depois, é uma boa desculpa pra puxar assunto e quem sabe...”

“...a, não acredito. Por que esse cara tá vindo pedir pra mim? Poxa, tem tanta gente aqui, tinha que ser logo eu?” A moça era, normalmente, gentil – só estava um pouco triste naquele dia.

    • Excuse-me. Could you take a picture, please? - arriscou o rapaz com seu 'inglês de turista'.

    • Claro – respondeu a moça, em português, por haver notado uma bandeirola do Brasil presa na mochila do rapaz.

    • Que maravilha, você fala português! - o rapaz mudou de idéia. Passou a achar excelente a idéia de sair da cama naquele dia frio.

    • Sim, e você também – brincou a moça, feliz por ter sido escolhida para tirar uma foto de um rapaz tão bonito...

    • É né? Então, você tira a foto?

    • Sim, sem problema!

Sem aviso prévio o rapaz abraçou a moça com o braço esquerdo, ficando ombro-a-ombro, e com a mão direita bateu a foto, onde aparecia em primeiro plano dando um beijo no rosto (surpreso) da moça e ao fundo a famosa Torre Eiffel, coberta de neblina do cume ao meio.


Robson Ribeiro

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

Coisa de cinema

Sabe quando a gente tá naquele estado meio dormindinho meio acordado? Pois é, eu tava nessas. Do outro lado do quarto, o nego tagarelava aquela tagarelice aleatória característica dele, mas eu o ouvia beeeeeeeeeeeeeem distante. Na verdade, a tagarelice dele é tão crônica que mesmo quando eu não estou com ele eu ouço sua tagarelice desse jeito, beeeeeeeeeeeeeeem distante, latejando na minha cabeça. Mas isso não vem ao caso.

Estava eu lá deitado, como já disse, meio dormindinho, como também já disse, quando ouvi alguns gemidos. Isso bastou pra que eu despertasse novamente, e nesse momento a tagarelice do nego me pegou desprevenido – aquela avalanche de palavras foi quase um sopapo na orelha! Eu, porém, rapidamente me recompus: o gemido estava cada vez mais alto e ritmado.

Agucei os sentidos e comecei a eliminar hipóteses. Não eram gatos namoricando no telhado (não dessa vez). Não era briga. Não era nenhum raptado preso num cativeiro agonizando, implorando por comida. Era sexo – e dos bons. Ou não. Uma vez meu irmão me disse que a gorila fêmea (maquiavélica como as fêmes de TODAS as espécies) tem um truquezinho interessante: quando o macho não é bom de 'cama', e eu disse NÃO é bom de 'cama', ela geme ainda mais alto, pra enganar as outras fêmeas e estimulá-las a copular com esse zé mané e, assim, evitar que tenham uma prole decente.

Bom ou não, o fato é que era sexo. Poxa, só o fato de ser sexo já era motivo suficiente pr'eu ficar ouvindo (e você leitor ou leitora, sem hipocrisia! Quem não gosta de ouvir qualquer barraco do vizinho?) mas, nem que eu quisesse, conseguiria deixar de ouvir. A moça tava muito satisfeita – ou não. Mas gemia alto!

De repente, uma pausa. Pouco tempo depois, o som de uma torneira abrindo, um copo enchendo, uma pessoa bebendo. Nessa hora – e só nessa hora, quando deu o 'recreio' – eu comentei com o nego:

    • Êita, a moça é dura na queda, o cabra até pediu água!

    • Quê? - perguntou o nego, daquele jeito meio grogue de quem acaba de despertar. Não, ele não dormia, foi desperto do transe que sua tagarelice causa nele mesmo...

    • Nego – eu disse – a vizinha tá transando com alguém!

    • Sério? - ele se animou. Com quem?

    • Sei lá...psiu, ouve, começou de novo!

    • Você tá ouvindo?

    • Sim, você não?

    • Não...

“Vixi. Será que eu tô tão necessitado que ando imaginando essas coisas...?” pensei.

    • A, agora, eu ouvi! Êita nóis! - o nego se empolgou com o lance.

Ele se levantou e foi até a janela do quarto, que estava aberta, e ficou espiando a casa da vizinha. Eu, com toda a minha inocência, quis ajudá-lo. Acendi a luz do quarto. O nego deu um salto do tipo 'duplo-twist-EScarpado' e me perguntou:

    • Você tá maluco? Eu aqui curiando a vida dos outros e você acende essa luz?

Apaguei a luz e caímos na gargalhada. Tão alta que os gemidos cessaram na casa ao lado. Quando conseguimos nos controlar, o silêncio reinou. Não sei se por atingir o clímax, ou se por descobrirem que eram motivo de graça, mas o fato é que o 'ato' tinha chegado ao fim. Estávamos voltando pra cama – CADA UM PRA PRÓPRIA CAMA! - quando ouvimos o barulho da fechadura da porta da vizinha:

    • Nego – eu disse – olha lá! Vamos ver quem é o cara que tava dando um 'talento ' na vizinha!

Grudamos os olhos na janela e qual não foi o nosso espanto ao descobrirmos que não era 'o cara', e sim 'OS caras' que deram um 'talento' na vizinha!

    • Nossa nego – disse o nego – eu pensava que essas coisas só aconteciam em filme...


Robson Ribeiro

domingo, 19 de setembro de 2010

Quebra-cabeça

Quando o rapaz entrou naquele lugar,

ele definitivamente não esperava encontrar

aquela bagunça toda. Tava uma zona danada!

Ele não fazia idéia do quão complicada

seria a tarefa de botar aquilo em ordem. Impossível!

Mas ficar bagunçado era inadmissível,

então ele começou a botar ordem.

Pelo menos ele achou que botava ordem.

Sabe aqueles quebra-cabeças de número ou letra

que parecem feitos de magia negra,

onde agente cobre um lado e descobre outro?

Ou aqueles do tipo cubo mágico

que de mágico só têm a rima com seu estado trágico

quando da nossa interferência,

da nossa inteligência?

Sabe quando a gente tenta arrumar algo no outro

mas não consegue, porque estamos arrumando

no lugar errado, porque estamos errando?

Pois é, o lance é mesmo muito complexo:

Nada vem de fora, nem mesmo o reflexo!

Alguém já reparou que o mundo só existe enquanto a morte não chega?

terça-feira, 14 de setembro de 2010

Mesmo quando

Olá. Eu sei que você está aí.

Eu sei que você pode me ouvir.

Neste cosmo entre você e eu,

nas delícias do seu e do meu,

eu sei que está tudo se arranjando.

Eu sei, e sigo te procurando.

Sei que você existe pois

tudo nesse mundo é dois.

Bem e mal. Noite e dia.

Açúcar e sal. Tristeza e alegria.

Dualidade em tudo, comigo há de ser

da mesma forma. Há de existir você.

Sigo então o meu caminho,

tentando te encontrar. Tentando.

Enquanto não te acho, eu sonho.
Mesmo quando não te acho, eu te amo.

sábado, 4 de setembro de 2010

Pelo simples prazer

Hoje conversei com duas pessoas muito especiais. Uma durante a tarde e outra durante a noite. São duas amigas que havia muito eu não tinha uma conversa tão sincera e construtiva. Talvez eu nunca tenha tido tais conversas, até hoje. Pra variar, isso me faz pensar. A primeira pergunta: 'Por que deixamos que o tempo crie barreiras tão grandes entre nós e nossos amigos'?

Acho que isso acontece porque chega o momento em que cada um precisa procurar o seu rumo. Nós procuramos um relacionamento amoroso, um emprego, uma faculdade pra cursar. Não sobra tempo pros amigos, nem pra família e o pior: não sobra tempo pra nós mesmos. A segunda pergunta: 'Por que temos que procurar nosso rumo sozinhos'?

Eu não sei com o que os meus amigos trabalham, não sei com o que eles sonham, não sei o que querem da vida, e a recíproca é verdadeira. Isso se estende também aos meus familiares – dos mais próximos aos mais distantes. Talvez a resposta venha do medo da rejeição. Ou não temos certeza do que queremos (e por isso não tocamos no assunto) ou temos medo de fracassar e o pior: que os outros tenham conhecimento do nosso fracasso. A terceira e a quarta pergunta: 'Por que temos medo do fracasso e por que temos medo de que os outros saibam dos nossos fracassos'?

Acho que isso acontece devido à nossa criação. Temos de ser sempre os melhores da classe, tirar 10 em tudo, pra termos os melhores empregos lá frente, pra termos os melhores salários, pra termos as melhores casas e os melhores carros. Ou seja, temos que ser Deus. Quinta e sexta perguntas: 'Por que tivemos essa criação e qual a criação que daremos aos nossos filhos'?

Acho que tivemos essa criação porque nossos pais nos amam, e querem o melhor pra gente. Mas acho que eles não pararam pra pensar sobre o que 'é o melhor' e o que 'dizem ser o melhor'. Não ensinaram nossos pais a questionar e estes, por sua vez, não nos ensinaram a questionar. E o que mais preocupa é que não ensinaremos nossos filhos a questionar.

O que é melhor: um bom emprego ou um emprego que lhe faça feliz?

O que é melhor: um bom salário ou o salário que lhe baste pra ser feliz?

Qual salário lhe basta pra ser feliz? Você precisa de um carro ou do status que ele traz?

Por que você precisa de status? Pra impressionar seus amigos?

Você precisava de status quando conquistou estes mesmos amigos?

As perguntas são profundas e as minhas respostas, eu sei, são extremamente superficiais. Mas o que faz sábia uma pessoa? Suas perguntas ou suas respostas? Quem é feliz de fato, o sábio ou o ignorante?

Alguém sabe dizer por que, depois que nos tornamos adultos, só conseguimos conversar com nossos amigos numa roda de cerveja, seja num barzinho, balada ou simples churrasco? Cerveja virou sinônimo de maturidade. Isso é sério? Uma coisa é certa. Quando estamos alcoolizados, mesmo que levemente ou mesmo 'supostamente', podemos nos desnudar e mostrar algumas de nossas respostas pra todos os questionamentos feitos acima, pois a defesa pro julgamento é infalível: '...a, eu estava bêbado!'.

Isso é preocupante.

Mas hoje foi diferente. Hoje eu me permiti não ser Deus, e minhas amigas – transbordando generosidade – também se permitiram. Hoje nós conversamos como seres humanos, sóbrios, sem medos e sem preconceitos (pelo menos até certo ponto, todos temos nossos limites).

Hoje eu redescobri o prazer de filosofar a dois, de compreender e ser compreendido, de ajudar e ser ajudado. Hoje eu redescobri o prazer de jogar conversa fora, de falar sobre frivolidades, de fazer graça pela gracejo, não pelo que ele pode representar pr'aqueles que, desavisados, pensam que falo sério.

Hoje eu descobri o prazer de pedir desculpas e ser desculpado, por algo que talvez não tivesse a mínima importância antes do pedido de desculpas (o que eu duvido), mas que ganhou uma importância enorme em meu coração – e no dela também, eu sei.

Hoje eu descobri o prazer de saber um pouquinho mais sobre o mundo dos meus amigos, e de mostrar um pouquinho do meu mundo – não por interesse, não por hipocrisia, mas pelo simples prazer de conversar! Muito obrigado!

Robson Ribeiro

domingo, 29 de agosto de 2010

O poder do amor

O viciado lutava contra seu vício há algum tempo. Essa é uma batalha difícil. Todo vício tem relação com o prazer – um prazer nocivo, é verdade, mas quando este é o único prazer que o ser humano tem em sua vida, este agarra-se àquele com unhas e dentes.

O campo de batalha naquele dia era a igreja. Sua mãe o convencera a assistir um culto, sem compromisso. “Se você gostar, você continua. Se não gostar, não precisa voltar nunca mais!” - disse ela, crente (como todo crente) na infalibilidade do amor Divino.

“Só Deus sabe como eu já tentei me livrar desse vício. Algumas pessoas me veem como uma pessoa sem escrúpulos, outras me veem como uma pessoa preguiçosa, outras ainda olham para mim e veem uma pessoa fraca. Mas é certo que nenhuma delas me respeita nem conhece minha história, meus sofrimentos. Como todo viciado, não estou nesse barco por vontade própria. Sou vítima, preciso de ajuda. Mas ainda sim, sou um ser humano que precisa ser amado como todos os outros.” - pensava o viciado no banco do passageiro.

A igrejinha ficava num bairro distante, esquecido pelo reino dos homens e, ao que tudo indicava, pelo reino dos céus também. As ruas eram de terra e, por onde o carro passava, levantava uma nuvem de poeira vermelha que cegava e sufocava os que viajavam à pé.

O dia estava bonito, o céu azul tinha apenas o sol como compania. Fazia muito calor.

O local era simples, um salãozinho retangular pequenino, dividido em dois ambientes. A porta de entrada ficava ali pelo meio do salão, na parede da esquerda. O púpito ficava na parte frontal, o miolo era preenchido por bancos daqueles de igreja mesmo, de madeira e nítidamente feitos à mão de maneira artesanal. No fundinho do salão ficava a copa e o banheiro.

Mesmo nesta igrejinha tão humilde, o viciado não pôde deixar de sentir a presença Dele. “É incrível o poder de Deus. Essas pessoas gastam o que não têm para manter esse pequeno local onde tentam – mesmo que engatinhando – praticar o amor e os ensinamentos de Jesus. Talvez eu possa encontrar, enfim, neste lugar, a cura pro meu vício...” - pensava o viciado ao sentar-se num dos bancos da última fileira. Um grupinho que chegava animado, composto por três pessoas, interrompeu seus pensamentos:

    • Paz de Deus irmão – disse-lhe o senhorzinho, de maneira altiva, ao estender-lhe a mão.

    • Paz de Deus – respondeu o viciado, cumprimentando o senhorzinho.

    • Paz de Deus irmão – disse-lhe o rapaz que acompanhava o senhorzinho (e que tinha algo em torno de 32 anos), de forma desconfiada, ao estender-lhe a mão.

    • Paz de Deus irmão – respondeu o viciado cumprimentando o outro.

    • Paz de Deus irmão – disse-lhe a moça que acompanhava o senhorzinho, com um brilho diferente nos olhos (brilho que o viciado conhecia muito bem) ao estender-lhe a mão.

    • Paz de Deus irmã – respondeu o viciado, com o mesmo brilho nos olhos. A conexão estava feita.

O senhorzinho dirigiu-se ao púpito. O rapaz que o acompanhava sentou num dos bancos da frente. A moça que os acompanhava sentou no outro banco da última fileira, ao lado do viciado, separada dele pelo corredor central.

Enquanto o senhorzinho dirigia o culto, pregava e cantava lá na frente, a moça e o viciado trocavam olhares e sorrisos na última fileira. A moça vestia uma blusinha e uma saia bastante conservadoras, que não revelavam sua pele nem suas curvas. Na cabeça, o véu cobria-lhe os cabelos. Era uma típica moça evangélica.

“Sempre ouvi dizer que o amor cura todos os males. Acho que Deus está a mandar-me uma mensagem!” - o viciado pensava. Via, enfim, uma luz no fim do túnel.

A moça levantou-se e andou em direção à copa. Ao passar pelo viciado, deixou cair em seu colo um bilhetinho, discretamente. Longos três minutos passaram-se até que o viciado se levantasse e se dirigisse também à copa. Entrou.

Antes que pudesse dizer alguma coisa, a moça beijou-lhe a boca. Ao beijar, encostava o seu corpo no do viciado de forma provocante. Desabotoou-lhe as calças e o viciado, ao observar as mãos ágeis da moça trabalhando com urgência, notou pela primeira vez sua aliança em sua mão esquerda.

Ele perdeu o controle. Apertou a moça com força, no ponto certo para evitar a dor e estimular o desejo. Beijou sua boca, seu pescoço. Com a mesma intensidade virou o corpo da moça, que apoiou as mãos na pia. (…)

O viciado perdera mais uma batalha.


Robson Ribeiro

sábado, 28 de agosto de 2010

Baseado e fatos reais

Eram onze e meia da manhã. O sol escaldante do verão estava especialmente quente naquele dia. À poucos metros adiante o mormaço era visível – subia do chão cimentado, arenoso e pedregoso como um fantasma. O rapaz-quase-senhor já tinha desistido do colete azul escuro, mas não podia se desfazer da camisa – não naquele lugar.

O suor escorria-lhe pelo rosto como as cataratas do Iguaçu. Sua camisa branca, úmida, estava quase transparente e suas pernas já estavam – há muito – assadas de tanto caminhar, subindo e descendo o morro a pé.

As vielas eram tão estreitas que ele tinha a nítida impressão de que os barracos se fechavam envolvendo-o num abraço indesejado. O cinza e o vermelho barro das casas inacabadas davam o tom da paisagem. Crianças dividiam o pouco espaço disponível para brincadeiras com cachorros magrelas – tanto quanto as crianças – e com o lixo – mais numerosos que a criançada e a cachorrada juntas.

O rapaz-quase-senhor estava sentado numa escadinha torta que parecia não ter fim. Tentava recarregar alguma energia.

“Caramba, eu tô cansado. Tô com sede. Tô com fome. E tô com medo. Um medo da porra! Se aquela senhora não tivesse me abrigado em sua casa, talvez eu estivesse morto. Talvez aqueles tiros não tivessem subido, mas me acertado em cheio!” - pensou.

À poucos metros dali, a notícia chegou aos ouvidos do chefe, o dono da boca:

    • Chefe, tem um cara estranho na bocada, fazendo um monte de perguntas pro pessoal.

    • Quem é o cara?

    • Sei não, nunca foi visto por aqui antes!

    • Porra! Traz esse cara pra cá, porra! Qualéqueé mermão! Ninguém pode chegar assim no meu pedaço não!

    • Tá certo! Vou lá buscar o viado!

A bordoada chegou sem aviso. Ele sabia que o rapaz gritava, mas não podia ouvir muita coisa pois o ouvido atingido zumbia alto. Foi pego pelo braço e levado – quase arrastado – escada acima. Quis perguntar pra onde iam, mas algo lhe disse que não era uma boa idéia. Ele não pode evitar. Urinou-se de medo.

Foi empurrado pra dentro de uma casa que ficava numa viela sem saída. Logo na sala principal havia uma enorme mesa de madeira nobre, onde trabalhavam cinco crianças embalando cocaína. Ele podia ouvir os gritos da sexta criança, que apanhava num cômodo adjacente e que tentava em vão convencer o seu agressor:

    • Eu juro tio! Eu não cheirei! Eu juro...

O rapaz-quase-senhor foi levado à presença do chefe num dos quartos da casa. Este estava sentado atrás d'uma mesa de escritório e fumava um baseado.

    • Iaê cumpádi! Qualé a tua? Fiquei sabendo que tu anda fazendo um monte de pergunta pro meu povo aqui...

    • Desculpa senhor, eu só estou fazendo o meu trabalho...

    • Aí, senhor é o caralho! Senhor tá no céu, e isso aqui é o inferno! Tu é polícia rapá?

    • Não senhor.

As pernas do rapaz-quase-senhor tremiam. Suas mãos tremiam. Sua voz tremia. Não pôde evitar – urinou-se novamente.

    • Iaí, rapá! Mijando na minha sala, qualé? Fala aí, por que que tu anda fazendo tanta pergunta por aí?

O rapaz-quase-senhor não conseguiu responder. Entregou o seu crachá pro chefe, que leu em voz alta: “IBGÉ”.

    • Pô, por que tu não falou antes? Eu vi esse lance de IBGÉ na tevê! Ô Carniça, traz lá a minha filha pra responder as perguntas do doutor!

A menina ainda soluçava, mas estava feliz por ter escapado no meio da surra.

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Auto-análise

O rapaz entrou no consultório inseguro. Era sua primeira vez. O ambiente tentava ser agradável – era amplo e tinha grandes janelas por onde entrava uma boa quantidade de luz solar. Os muitos vazos aliados às pinturas nas paredes davam um colorido aconchegante e os móveis eram de madeira maciça, imponentes e confortáveis.

Mas aquela coisa por trás dos nervos ópticos insistia em permanecer alerta.

    • Pode sentar-se. Se prefirir, pode se deitar também - disse-lhe o doutor.

    • Obrigado.

O rapaz sentou. Ainda sentia-se um tanto desconfortável.

    • Então, o que lhe traz aqui?

    • Eu...hum...er...preciso de ajuda.

    • Entendo. Então, pode começar. Fale, abra-se comigo.

    • Eu não sei exatamente sobre o que falar...

    • Que tal começar falando sobre a tua família?

    • Hum...pode ser. Na verdade eu não tenho problemas com a minha família. É claro que todos nós somos um tanto problemáticos mas, apesar de tudo, eu sei que cada um só quer o bem um do outro – à sua maneira – então eu procuro entender o ponto de vista alheio e não me deixo magoar com o comportamento deles...

    • Entendo. E quanto aos seus relacionamentos amorosos? Você já teve alguns, não?

    • Sim, é claro. Também não tenho problemas quanto a isso. Lidar com a rejeição é uma luta constante, mas tenho aprendido muito com isso. Ficou mais fácil quando descobri que primeiro preciso amar a mim mesmo. Tenho tentado me seduzir. É uma paquera gostosa essa, sou a pessoa mais interessante que já vi. Olhar pra dentro sempre traz uma nova descoberta...

    • Entendo. E sobre...

    • Será que eu posso tomar um pouco d'água? Minha garganta anda muito seca ultimamente...

    • Mas é claro. Fique à vontade.

O rapaz se levantou e caminhou, um pouco mais confiante, em direção à copa. Tomou dois copos d'água e mesmo assim continuou engolindo seco. “É. O problema não é falta d'água. Eu já sabia. Espero que o doutor possa me ajudar...” pensou.

    • Podemos continuar?

    • Sim.

    • E quanto aos seus amigos? Sua relação com eles é boa?

    • Sim. Eles também não têm culpa...

    • Culpa?

    • Sim. Na verdade são todos vítimas. Não consigo deixar de olhar pra eles – e pra toda sociedade – e ver um bando de formiguinhas, num grande formigueiro (ou vespeiro?), programadas pra cavar, fazer ninho, pegar folhinha, guardar folhinha, comer um pouco (às vezes) e trabalhar pra rainha (sempre). Estão todos vendados. Dopados. Acham que o mundo é mesmo feito de sombras – não veem a imagem verdadeira. Mesmo o senhor, doutor, me parece uma formiguinha.

    • Entendo. Se você não tem problemas, então como acha que eu posso te ajudar?

    • O senhor não pode. Não da maneira que pensa poder.

    • Como, então?

    • Gostaria que o senhor me internasse num hospício.

    • Hospício?

    • É. Eu não estou no padrão do formigueiro. Sou anormal. O senhor conhece algum que possa viver em sociedade?

terça-feira, 17 de agosto de 2010

Escrita Divina

início____
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.......___ /
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........\
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..........\___________
.............................\
............................./
............................/
.........................../
........................../
..........................\______fim.

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

O clímax da Criação

Não quero falar sobre como começou aquela noite. Levaria muito tempo para descrever cada capítulo dos 10 anos que nos levaram àquele momento. Não. Desta vez quero falar apenas daquele momento. Registrar cada respiração, cada movimento, cada batida do coração – escrevo no singular porque sempre fomos um só, duas metades do mesmo ser.

O quarto estava escuro. Pela janela entreaberta um tímido raio de luz adentrava – era a Lua testemunhando o momento máximo do ser humano. O clímax de sua existência. A razão pela qual foi criado. Sempre que presenciava um momento como aquele, a Lua compreendia o motivo da criação, e se compadecia da triste realidade do Criador – existir só. Ser uno, completo em si mesmo, sem nada que pudesse lhe fazer falta para que pudesse sentir alegria na conquista.

Ela vestia branco.
Eu também.

Pedi que ela fechasse os olhos por um instante. Aproximei-me por traz, afastei seu cabelo (longo, castanho e cacheado) e o depositei, gentilmente, sobre seu ombro direito. Seu pescoço revelou-se. Apesar de lindo, longo, tive de abaixar a cabeça alguns centímetros antes de poder beijá-lo. Um beijo leve, flutuante. Meus lábios, grossos, mal tocaram-lhe a pele – na verdade acho que tocaram apenas os pêlos eriçados ao pé da nuca.

Pude sentir, uma vez mais naquela noite, seu perfume. Aroma floral. Flor-de-lis.
Minhas mãos envolveram, quase sem toque, teus ombros desnudos (ela usava um vestido de alcinhas). Não resisti, dei-lhe uma leve mordiscada no pescoço e senti seus pêlos dos ombros – e certamente do corpo todo – eriçarem-se também.

Nunca pensei que pudesse ser tão generoso. Eu controlava meu pulso, meu ímpeto com a mesma eficiência que um maestro dirigindo uma orquestra. A diferença é que para mim não houve partitura ou ensaios. A música foi composta naquele momento.

Ela então se virou, olhou-me fundo nos olhos como se pudesse me ler, me decifrar. Como se pudesse ver através deles tudo aquilo que eu realmente sou. De fato ela podia.

Ainda me olhando daquela forma ela foi desabotoando, sem pressa, cada um dos botões da minha camisa. Quando terminou, colocou ambas as mãos sobre o meu peito. As deixou ali alguns segundos – talvez para certificar-se de que meu coração ainda batia.

Então movimentou as mãos em sentido contrário, suave, quase sem toque também, e assim despiu meu tórax. Ela também não resistiu e me deu uma leve mordiscada no peito (que deixou todos os pêlos do meu corpo em estado de alerta) seguida de um beijo no pescoço e assim, beijando, subiu nas pontas dos pés – como uma bailarina – até que seus lábios encontrassem os meus.

De repente, um sorriso serelepe. Sem nenhum outro aviso, ela me empurrou. Caí de costas na cama. Ela tirou meus sapatos. Subiu mais um pouco. Tirou o cinto. Tirou a calça – e com o mesmo movimento, todo o resto. Eu fiquei nu.

Fazendo aquele movimento com os dedos indicador e médio, que simula uma “formiguinha”, ela percorreu todo o meu corpo. Dos pés até os lábios, onde depositou o dedo indicador como se pudesse sentir cada palavra que eu não encontrava. Não era preciso falar nada.

Ela então ficou de pé ao lado da cama.
Com apenas dois movimentos ela se despiu por completo.
Então ela deitou-se do meu lado, colocou a cabeça no peito e disse:

    • Eu te amo.

    • Eu te amo – respondi.

    • Estou com medo.

    • Eu também – concordei.

    • Nunca me senti tão feliz.

    • Nem eu.

E estas foram nossas únicas palavras naquela noite.

segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Cabeça cheia, oficina do Diabo

Quando eu era jovem, pensava.

Pensava que podia mudar o mundo,

ajudar o mendigo 'sujismundo',

que o amor era algo profundo.


Quando eu era jovem, pensava.

pensava que tudo está errado,

que Jesus nos deixou um legado,

que o ser-humano está inacabado.


Então fiquei velho, de corpo e alma.

O corpo não importa, mas a alma preocupa.

As vezes fico triste mas a cerveja acalma.


As vezes quero fazer algo mas vou pra sinuca.

No trabalho ando tão concentrado, estressado,

que nem percebo: cabeça cheia é a oficina do Diabo.


Robson Ribeiro

Cadê Eu?

Minha boca amarga o teu silêncio.

O teu silêncio silencia nossa relação.

Uma relação em que o teu é o meu silêncio,

como todo o resto, pois dividimos o coração.


A menos que não seja mais assim,

a menos que tenha separado-se enfim.

Se for este o caso, um novo universo se criou,

pois separação assim apenas o Big Bang presenciou.


Entre modos, não acredito nesta possibilidade.

Nada poderá mudar a minha convicção sobre nós.

Nem mesmo a sua desmedida incredulidade, ou vontade.


Já falei sobre isso, já escrevi sobre todos os nossos nós.

Somos uma só existência, um único ser, uma só entidade.

Em nossa língua não existe eu, tu, ele, ela, eles ou vós.

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

A moça e o precipício

  • Por que me sinto assim?

Sob um lindo céu azulado a moça falava com seu príncipe encantado. Como se soubesse desde o início ele tentou alertá-la.Disse o precipício:


  • Sua resposta não está em mim.

  • Mas estou muito atraída...

  • Atração rima com traição.

  • Você roubaria minha vida?

  • Acontece em toda relação...

  • Não me importo. Você é lindo!

  • Você não deveria chegar tão perto...

  • Não posso evitar, está me consumindo.

  • Depois não diga que não fui sincero.

A moça pulou.


Robson Ribeiro

quinta-feira, 22 de julho de 2010

Os Artefatos Mágicos

O ambiente era hostil. Não havia azul nem verde. Agora o nome Terra vinha a calhar, pois era a única coisa que sobrara: uma terra morta e cinzenta por todos os lados, até onde a vista alcançava. Não havia mais água, não havia mais vegetação e nem animais. Só restavam ruínas daquilo que um dia fora chamado “civilização”.
Os poucos seres humanos que sobreviveram dividiram-se em tribos nômades. Seres humanos por mera questão taxonômica, pois em quase nada assemelhavam-se aos seres humanos da Idade Dourada. Seus corpos eram tão magérrimos devido ao estado de quase-inanição em que viviam que seu pescoço sustentava a cabeça (que parecia maior agora) com alguma dificuldade. Mal podiam ficar de pé e de fato o faziam por pouquíssimo tempo, somente quando era estritamente necessário.
Estes poucos sobreviveram graças à duas invenções geniais: os abrigos anti-aéreos e o filtro de urina. O filtro garantia-lhes a água necessária para beber e para cozinhar os restos mortais de quem “ficava pelo caminho”. O ser humano havia, enfim, aprendido a reciclar.
Numa caverna que servia de abrigo contra o vento frio e cortante, um garoto conversava com seu pai:
- Papai, me conta aquela história de novo?
- Que história, querido?
- Aquela sobre os “atefados” mágicos!
- “Artefatos” filho, “artefatos”...
- Isso! Conta!?
- Tudo bem. Aquela época era chamada de “Idade Dourada”. Ainda existiam mares, oceanos, rios, árvores, flores, animais...ainda existia vida, muita vida! Muitas pessoas pra lá e pra cá, todas procurando artefatos mágicos para si próprias...
- Existiam muitos né papai?
- Sim meu filho. Existiam muitos. E o poder deles era realmente grande: os artefatos mágicos eram capazes de ampliar a característica mais marcante de quem os possuísse. Desta forma, quem tivesse muitos artefatos era capaz de realizar grandes obras...
- Isso quer dizer que se eu tivesse muitos desses artefatos eu poderia acabar com a fome, com as doenças e com o sofrimento da nossa tribo, papai?
- Isso mesmo filho, tão pequeno e tão esperto! Há quem pense que os artefatos, apesar de aumentar o poder das pessoas, as deixava malvadas também. Mas não é verdade. Os artefatos apenas ampliam aquilo que somos. Você é uma pessoinha boa filho, então os artefatos aumentariam essa bondade e você seria capaz de realizar grandes obras pra acabar com esses problemas todos...
- Então porque a gente não procura alguns artefatos papai?
- Ah meu filho, eles não nos ajudariam em nada...
- Por que papai?
- Os artefatos mágicos perderam seu valor no mundo de hoje filho. Perderam sua magia.
- Por que papai?
- Porque o mundo não tem mais vida meu filho. Sem vida não há magia.
- Por que o mundo não tem mais vida papai?
- Ora menino! Chega de tantos “porquês”. Responderei só mais este: durante a Idade Dourada, um homem especialmente malvado conseguiu mais artefatos mágicos que qualquer outro. Todo aquele poder ampliando sua maldade o deixou cego. Ele queria sempre mais e mais até que, em meio à sua loucura, ele destruiu tudo ao seu redor e fez do mundo aquilo que nós vemos hoje...
- Poxa. Como pode, papai, a mesma coisa ser capaz de acabar com a dor e com o sofrimento e, ao mesmo tempo, ser capaz de destruir tudo?
- O ser humano filho. O ser humano sempre foi a chave de tudo, mas as pessoas não quiseram ver...
- Mesmo que não seja mais uma coisa mágica, eu gostaria de ver um desses artefatos papai...
- Na verdade, eu tenho um bem aqui no bolso, filho.
- O pai entregou o objeto ao filho, que tinha agora em mãos um pedacinho redondo e achatado de metal cujas faces eram cuidadosamente desenhadas. De um lado, um rosto feminino. Do outro, o garoto pôde ler: “1 real”.

Robson Ribeiro

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Felicidade I

Felicidade não é ter dinheiro,

isso é consequência.

Felicidade não é esbanjar,

isso é aparência.

Felicidade não é se apegar a alguém,

isso é dependência.

Felicidade não é ter talento,

isso é latência.

-x-

Felicidade é ter um objetivo

e seguí-lo com inteligência.

Felicidade é tropeçar, cair,

e se levantar com frequência.

Felicidade é acompanhar o ritmo

sem perder a sapiência.

Felicidade é percorrer o caminho

entre o querer e o conquistar.

E haja paciência.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sobre a comunicação

Um pequeno prefácio

Quando trabalhei na área de garantia da qualidade, na implantação de sistemas da qualidade (a famosa ISO 9000), aprendi um conceito que não está presente no Michaelis: a diferença entre eficácia e eficiência. Basicamente, eficácia é “fazer a coisa certa” e eficiência é “fazer da melhor forma”.

Sendo assim, imagine que seu objetivo seja cortar um pão como uma faca. Se você corta o pão, mas corta o dedo junto, você foi eficaz – pois atingiu seu objetivo – mas não foi eficiente, pois cortar o dedo não fazia parte do plano inicial. Ou então imagine uma corrida onde todos os pilotos completam todas as voltas: todos foram eficazes, porém tiveram níveis diferentes de eficiência: o primeiro foi mais eficiente que o segundo e assim por diante.

Sobre a comunicação

Neste nosso mundo atual muito se fala sobre a comunicação. Ela se tornou objeto de estudos profundos, visto que a mesma quando bem feita aumenta a produtividade de qualquer coisa em qualquer área.

Desta forma, os especialistas dizem que para haver comunicação é preciso que haja um emissor, um receptor, uma mensagem, um meio e etc. À partir deste estudo, a comunicação técnica obteve grande avanço – seja por meio de manuais escritos, desenhos técnicos ou mesmo de forma verbal. O problema é que fora deste contexto a comunicação não tem a mesma eficiência – nem a mesma eficácia, eu diria.

Quando lidamos com linguagem técnica, lidamos com uma comunicação matemática. As coisas são ou não são como num sistema binário (que trabalha apenas com 0 e 1, sim ou não), sem que emissor e receptor possam interferir com interpretações pessoais sobre a mensagem. Mas não é assim quando se trata de relacionamentos humanos. Nestes, a mensagem assume significados diferentes para emissor e receptor.

Nós dificilmente ouvimos o que nosso interlocutor está dizendo. Geralmente, ouvimos o que “achamos que ele quer dizer” – e é aqui onde começam os equívocos na comunicação. Isso acontece porque cada ser humano tem conhecimentos e vivências diferentes e, a partir disto, busca interpretar o mundo à sua volta. Essa interpretação atinge também as mensagens que recebemos diariamente e isso se aplica a todos os tipos de comunicação citados anteriormente.

Durante um diálogo – tomo por diálogo qualquer situação onde ocorra comunicação, ou seja, qualquer atividade em que haja emissor, receptor e mensagem, como uma conversa (formal ou informal), uma leitura, assistir a um filme ou a uma peça de teatro, etc. - existem basicamente dois tipos de comportamentos adotados pelo ser humano: o separado e o ligado.

O comportamento separado é aquele em que o receptor recebe a mensagem e tenta – as vezes de maneira automática – encontrar uma brecha que possa explorar com o intuito de derrubar o argumento do emissor. Este comportamento é comum, para citar alguns exemplos, entre discussões de casais, pais e filhos, advogados de defesa e acusação, etc. Ou seja, o comportamento separado está, quase sempre, presente num contexto de conflito.

O comportamento ligado, como os próprios nomes sugerem, é exatamente oposto ao comportamento separado. No ligado, o receptor está realmente interessado em compreender o ponto de vista do emissor. Isso não quer dizer que o receptor vá concordar com este ponto de vista, mas qualquer julgamento que ele venha a fazer sobre a questão será tecido apenas depois de compreender de fato do que se trata a questão. Este é - ou deveria ser - um comportamento comum entre mestre e aprendiz.

Partindo destes dois princípios, para garantir a eficácia e aumentar a eficiência da comunicação, é necessário fazer uma análise de cada situação e uma escolha consciente entre os dois tipos de comportamento deve ser feita.

Sabendo qual a questão em pauta, e escolhendo o melhor comportamento para adotar durante o diálogo, as chances de atingir o objetivo serão muito maiores. Alguns exemplos:

Se você recebeu uma ligação do tipo “tele(chato)marketing”, elegantemente separado (afinal o pobre operador é um ser humano e tem família pra sustentar) destrua seu interlocutor e coma-lhe o fígado sem dó.

Por outro lado, se tua mulher (namorada, amante, esposa ou todas-as-anteriores) está te pentelhando, gentilmente ligado compreenda o por quê daquela toalha molhada e embolada em cima da cama a incomodar tanto. Desta forma, as famosas DR terão um final feliz, ao melhor estilo “assassino profissional” – rápido, limpo e sem dor – e você poderá, enfim, assistir ao jogo de domingo em paz.

Robson Ribeiro

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Joelho Ralado

Não importa o quanto o chão seja duro

Não importa se você tem medo do escuro

Não importa se estás ou não maduro

Levante-se

Não importa se te deram uma rasteira

Não siga tapando o sol com uma peneira

Ficar se lamentando é uma grande besteira

Levante-se

Não importa se você sente-se sozinho

Não importa se você não tem um ninho

Uma hora terás de voar como um passarinho

Levante-se

Não importa se você tem receio

Não importa o motivo do seu bloqueio

Você tem de mostrar a que veio

Levante-se

Não tenha medo de cair novamente

Dói muito mais quando a gente pré-sente

Mas se acontecer de novo, não se lamente

Levante-se

Você tem que se doar ao mundo

Por mais que este seja imundo

Mudá-lo é seu desejo mais profundo

então Levante-se!

De fato, quanto maior o voo maior a queda

Mas quanto maior a queda maior é a lição

E quanto maior a lição mais forte ficamos.

Robson Ribeiro

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Memória-previsão

Paradas ali, de fronte uma pra outra,

as criaturas queixavam-se da própria sorte:

A mais nova dizia: tenho inveja de você, Lua.

Você tá sempre aqui em cima, descansando.

Você tem todas as estrelas ao seu redor.

E você não precisa fazer mais nada.

A mais velha: pois eu te invejo, Fada.

Você ainda tem suas belas asas.

Você ainda não se prendeu à uma rotina.

Você ainda não precisa esconder uma das faces.

Quando dei por mim, pensei:

Acho melhor parar de reclamar do espelho.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O beat da beata (título emprestado)

Ela era, ainda, uma incógnita. Havia demonstrado interesse por diversas vezes, enquanto eu era comprometido. Quando fiquei solteiro, porém, não deu muita abertura às minhas investidas. Na verdade, não deu nenhuma.

Nós (o Emerson, o Gui e eu – democraticamente em ordem alfabética) tínhamos o hábito de dar apelidos às garotas, afinal, nós sempre falávamos de tantas garotas que era impraticável lembrar de todas elas “apenas pelo nome”. Elas precisavam de um rótulo pra serem identificadas de imediato.



    • ...ela não ligou. Eu não sei mais o que fazer, acho que vou desistir de sair com ela. - desabafei com os rapazes.

    • Espera aí, ela quem? - perguntou o Gui.

    • A Ju, já falei. - respondi, meio indignado. Parecia que não prestavam atenção.

    • A, “a Ju”. Grande coisa. Como vamos saber qual de suas 419 paixões desse mês é a “Ju”? - defendeu-se o Gui.

    • Verdade – interveio o Emerson – você tem que dar um apelido pra ela.




Pensei. Qual era a característica mais acentuada que eu conhecia daquela moça?



    • Tá bom. Então “essa” vai ser a “Beata”.




Beata! Uma lâmpada acendeu-se sobre minha cabeça – aquela das ideias geniais. “Por que eu não pensei nisso antes?” - pensei.



    • Já sei como vou fazer pra sair com ela!




Contei-lhes o plano.



    • Nossa! Isso é perfeito! Você não presta, mas o plano é perfeito! - disseram os dois, quase em uníssono.




Dois dias depois, falei com a Beata pelo MSN:



    • ...e por isso eu não pude ir na visita técnica que a escola promoveu. Pior que é muito importante que eu assista, pois haverá uma prova sobre isso. Você não gostaria de ir comigo? - perguntei.

    • Mas é claro!! Nem acredito! Eu nunca fui assistir! Nunca pensei que você me chamaria prum lugar desses! Faz assim, eu te ligo amanhã pra gente combinar melhor!

    • Mas vai ligar mesmo, ou vai me deixar no vácuo como da outra vez?




Ela ligou.

Marcamos o passeio pro dia seguinte.

Era domingo de manhã – alguns dirão que 10 horas da manhã é madrugada prum domingo. O dia estava simplesmente lindo! O céu bem azulzinho, limpinho. Temperatura muito agradável, algo em torno dos 25 graus. Os prédios enormes projetavam uma sombra por todo o Largo, e uma brisa geladinha me tocava o rosto. Era uma manhã perfeita pro romance. Eu estava encostado junto à saída do metrô esperando ela chegar.
    - Nossa – falei, surpreso (talvez até demais) – você está linda!

Ela vestia uma sandalhinha, calça jeans, uma blusinha branca com alguma coisa cinza (não sei o que era aquilo!) sobre os ombros. O cabelo curto repuxado num rabinho-de-cavalo com algumas “mini-piranhas” prendendo umas madeixas rebeldes e o rosto levemente maquiado – o mínimo pra dar um toque sensual, e o máximo pra não incomodar o...padre?! Sim. O padre.

Calma. Não a pedi em casamento – já passou o tempo em que as beatas (e as mulheres em geral) se guardavam pra casar de branco.



    • Obrigada – ela respondeu. Vamos entrar?

    • Claro! Já vai começar!




Entramos. Ela fez o sinal da cruz.

O Mosteiro de São Bento (São Paulo, SP) foi a minha salvação. Chamei a Beata pra assistir ao Canto Gregoriano das missas de domingo. Como estudante de regência, era mesmo necessário assistir. Como conquistador barato, foi a última cartada – desesperada, confesso – pra conseguir sair com a moça e não perder a moral.

Deu certo. Depois de longas duas horas em pé ouvindo cantos em latim e sermões em grego - pra mim os padres sempre falam grego – nós demos uma volta pelo centro da cidade e, bom, não preciso entrar em detalhes...

Robson Ribeiro

terça-feira, 29 de junho de 2010

A linha tênue entre o sonho e o pesadelo

Faltavam 20 minutos pra meia-noite, era sexta-feira e a rua estava atipicamente calma – o boteco não tocava forró, nem música ao vivo; nenhum carro tocava funk em volumes insanos; nenhum vizinho brigando. Era noite de lua cheia e fazia muito calor. Eu estava na cama, deitado, naquele estado semi-consciente que a gente fica quando tá muito cansado mas não consegue dormir:

“...É, dessa vez o Jack tá perdido. Quero ver como ele vai descobrir quem é o traidor antes de matarem sua filha... Amanhã o dia tá cheio, graças a Deus. Até que a gente tá conseguindo bastante alunos de violão – ufa! As bandas também têm aparecido pra ensaiar, acho que esse mês a escola paga suas próprias contas e ainda sobra um pouco...A Ná já tá dormindo. Tadinha, tem sido muito puxado esse trabalho novo dela...”

“...Que barulho foi esse?...Hum, acho que não foi nada, senão o Mané estaria latindo. Desde que invadiram a escola da primeira vez e nós passamos a dormir aqui nos fundos eu não passo uma noitezinha sequer sem essa apreensão. Mas Deus há de proteger a gente...”

De repente, sem nenhum aviso prévio, ouvi um barulho na porta do quarto, alguma coisa raspando-a e forçando-a:

“...Mas esse Mané é um cãozinho sem-vergonha, tá tentando entrar aqui no quarto de novo. Eu sei que o cocker é uma raça muito carente, e sei que nós o acostumamos a dormir com a gente. Mas essa edícula que chamamos de “quarto” já é pequena demais pra mim e pra Ná – não dá pra dividir com o Mané. Ademais, é importante que ele durma lá fora pra - por que ele tá latindo desse jeito? Não é um latido normal, como aquele que late pros gatos. Esse tá mais bravo, mais urgente. Acho que vou ver o que é...”

Levantei da cama e dei uma espiada na janela:

“Ah filho da puta!”

Sai correndo, o Mané atrás de mim, latindo muito. Entrei na casa principal do terreno – onde era nossa escola de música – pela porta dos fundos, que dava acesso à recepção (onde ficava também a porta pra rua). Peguei a primeira coisa que vi pela frente.

O Mané voltou, foi avisar a “mamãe” dele.

Com o cabo da vassoura em riste virei-me pra porta de acesso ao corredor, que por sua vez dava acesso às salas de aula. Ele já estava lá, e não pôde conter a cara de espanto ao me ver – talvez esperasse que a escola estivesse vazia como da outra vez que entrou e fez a festa (levou quase R$ 5000,00 entre equipamentos e instrumentos). Eu já tinha perdido o controle.

Quebrei o cabo da vassoura na cabeça dele e o agarrei pelo pescoço antes que pudesse reagir. Nessa posição, dei-lhe alguns socos no rosto enquanto o apertava com o outro braço, sufocando-o. Nessa hora a Ná apareceu na porta dos fundos, o Mané junto, latindo.



    • AI MEU DEUS! - ela gritou. Talvez o grito mais desesperado que eu já ouvi.




Ele aproveitou minha distração e se desvencilhou de mim. Correu em direção à porta dos fundos – onde estava a Ná – com esperança de fugir por ali. Corri no seu encalço. No quintal, ele percebeu que não tinha por onde sair e resolveu negociar:



    • Abre a porta que eu vou embora - o nariz dele sangrava.




Eu só queria vê-lo longe da minha família. Foi exatamente o que eu fiz. Ao ver-se livre, ele desdenhou: “falou trouxa!”.

Tranquei a escola.

Tentei me acalmar.

Tentei acalmar a Ná.

Tentei acalmar o Mané.

Liguei pra polícia, que demorou cerca de uma hora pra atender nosso chamado. Quando chegaram, expliquei o que aconteceu: “...então eu olhei pela janela do quarto e vi uma luz acesa na sala de aula, onde um vulto mexia nas coisas dentro do armário. Saí correndo e...”.

Não é preciso dizer que a polícia não fez nada.

Naquela noite não conseguimos dormir.

Um mês depois fechamos nossa escola – e assim acabou-se nosso sonho.

Robson Ribeiro

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como sempre

Antes de você:

A Terra girava,

O Sol nascia,

Minha vida seguia

como sempre.

Junto de você:

A Terra girava,

O Sol nascia,

Minha vida seguia

como sempre.

Depois de você:

A Terra gira,

O Sol nasce,

Minha vida segue

como sempre.

O que mudei?

O quê? Mudei.

Robson Ribeiro

sábado, 26 de junho de 2010

Comédias (românticas) da vida privada

De:

"emerson rosa" <edilimarosa@nãovemaocaso.com>

Para:

“robson ribeiro” <robsonsky@yahoo.com.br>

Nego, o que aconteceu foi o seguinte: quando eu tinha uns oito anos de idade, era muito apaixonado por uma menina da escola – o nome dela era Tatiana. Nossa, como eu achava aquela garota bonita! Acho que fui apaixonado por ela até a quinta série, sei lá. E todo mundo da escola sabia que eu era apaixonado por ela kkkkkkkkkk.

E quem eu encontrei ontem? Exato. Eu estava ensaiando o coral no Ponto de Cultura quando uma mulher muito linda veio em minha direção (até olhei pra trás pra ver se tinha mais alguém, não era possível que uma mulher como aquela estivesse vindo falar comigo!).

Então ela disse: “oi professor, tudo bem?”. Respondi, meio sem graça e com o coração quase na boca: “tudo”. A moça se apresentou: “eu sou professora de desenho aqui no Ponto de Cultura. Sempre que você acaba o ensaio do coral eu te procuro, mas você já está dentro do carro indo embora, sempre numa correria danada! Nunca tenho a chance de perguntar, então resolvi interromper o ensaio...”

“Perguntar o quê?” perguntei eu, de forma um tanto afoita (pra que tanto rodeio? É claro que eu aceito me casar com você! - pensei). Ela disse: “você estudou na escola Conselheiro, com a professora Marinalva, nas segunda e terceira séries, não?”. Já sem muita pasciência pra'quele papo furado que sempre precede os finalmentes no primeiro encontro dos casais, respondi: “estudei sim. MAS QUAL É O SEU NOME?”

“Tatiana, você lembra de mim?”

Não – pensei. “Mas é claro!” - respondi. Homem não presta. Nego, ela mudou muito! Mas depois de algum tempo eu lembrei daqueles olhos lindos...Então falei, com um sorriso enorme no rosto (o mesmo que deve ter uma pessoa, incrédula, ao ganhar na mega-sena): “nossa, que legal!”. Então ela me deu um abraço super apertado – apertado demais pra que eu pudesse me controlar. Ou melhor, “controlá-lo”.

Ela perguntou: “você era super apaixonado por mim, lembra?”. Até então eu não lembrava de nada, mas não seria de se estranhar, eu sempre tive bom gosto pra mulher. E sou muito exigente, você sabe. Eu vou casar com uma mulher linda, mesmo que ela esteja de olho só no meu dinheiro! E se for preciso, eu vou investir uma grana nela, pra ficar com tudo em cima! Não vou ter miserê com isso não kkkkkkkkkk.

“Lembra daquela caixa de bombom que você ganhou da tua mãe e me deu no dia seguinte? E de quando você me protegia nas aulas de educação física, pra que eu não levasse boladas?” ela perguntou. “Não...” eu respondi. “Mas eu me lembro de tudo que você fazia por mim na escola! Guardo essas lembranças até hoje, com muito carinho...”. Nego, quando ela me disse essas coisas, um filme passou na minha cabeça, e eu comecei a lembrar daquela época, e do quanto eu gostava dessa menina!

Finalmente nós trocamos telefone (eu já estava suando frio, as mãos e a testa salpicadas de gotinhas) e combinamos um encontro.

Ela disse: “quando você puder, me liga! Vai ser ótimo te ver fora do Ponto de Cultura, com bastante tempo pra gente conversar...”

Respondi: “Mas é claro! Quando você pode?”

Ela: “bom, nesse final de semana eu estou livre...”

Eu: “ótimo!! O que você quer fazer?”

Ela: “bom, seria legal se você pudesse ir lá em casa...” - comecei a flutuar - “...pra conhecer meu marido e meus filhos...” - e tomei o tombo mais espetacular da minha vida! Dá pra acreditar? Kkkkkkkkkkk.

Robson Ribeiro

quarta-feira, 23 de junho de 2010

sem Nome

O meu relógio não se mexia,

o meu mundo era aquela praça.

Meu casulo de inocente alegria

era tecido com o ar de tua graça.

Eu falava, falava e falava. Pena.

Quase nunca eu ouvia. Desculpa.

Hoje sou uma pessoa mais amena,

mas a que custo? Minha culpa.

O sonho? Ser feliz pra sempre.

Mas, de repente, o labirinto.
A loucura me caiu no ventre

Amarga e indigesta como absinto.

Muito sonhei, pouco vivi.

O sonho foi virando pesadelo,

urubu no lugar do bem-te-vi.

Esqueci de acordar, hoje eu vejo.

Não joguei a âncora e você se foi.

Não plantei nada e você se foi.

Não disse “bom dia” e você se foi.

Eu fiquei perdido e você se foi.

Tarde demais nunca foi tão tarde.

Mesmo assim não saberia o que fazer.

Não saberia o que, nem como dizer.

Talvez eu continue um covarde.

Como noiva no altar sem o anel,

Alma penada procurando o céu,

Cavalo inanimado preso no carrossel,

Pintor com tinta sem pincel.

É assim que eu me sinto quando penso,

quando seco o rosto, quando me rendo.

Esse momento está por demais extenso,

com cara do pesadelo mais horrendo:

Preso na eterna e densa escuridão,

com uma flecha travessa no coração,

olhos bem abertos sem intenção,

vendo você distante e sem reação.

E pensar que meu relógio não se mexia,

que o meu mundo era aquela praça.

Que o meu casulo de inocente alegria

era tecido com o ar de tua graça.

Quem poderia imaginar?

Quem pode explicar?

Robson Ribeiro

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A vingança

Pedaço de mim arrancado

deixou-me na carne viva

a alma morta. Sem vida.

O sangue jorra amargo.

Ninguém cuidou do feto

torturaram-no a fogo e ferro

largaram-no sem essência

no labirinto da existência

deixado ali pra morrer

mais um corpo sem um ser

vai renascer sem lógica

como a ave mitológica

teu ciclo de dor me amarra

pelo menos não sou imortal

no dia do juízo do final

eu vou rir na tua cara.

"Senhor escreve torto."

Robson Ribeiro

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Parabéns

F icar triste não vale, nada de mortiço!

E u sei, os anos passam, ficamos velhos,

L ogo a morte vem prestar seu desserviço.

I ntrépido ciclo da vida, está nos evangelhos,

Z angar-se com isso só causa mais rebuliço!

A vida vai embora mesmo, não tem solução!

N ada que fizeres vai mudar esta situação...

I sto, porém, não deve impedir-te de viver agora.

V iva, viva, VIVA! Faça o que gosta, sem demora!

E stude, dance, cante, arrume um grande amor!

S e a vida é curta, que seja bela como uma flor!

Á ria não serve hoje, é música pra coral.

R eúna família e amigos, em casa mesmo, não faz mal!

I nicie uma festa sem hora pra acabar (…).

O u, melhor ainda: nunca pare de festejar!

Robson Ribeiro

domingo, 30 de maio de 2010

Em memória

A melhor lembrança que eu tenho de nós dois? Bom, a melhor lembrança que eu tenho de nós dois é, sem dúvida, daquele dia que fomos no Finsbury Park, em Londres. Mesmo hoje eu posso lembrar de cada detalhe.

Eu acordei 6:14 da manhã – bem antes do despertador, programado pras 7 em ponto. Nós tínhamos combinado sair as 8, então 7 era um horário razoável pra acordar. Mas eu acordei antes e, ansioso demais pra conseguir dormir de novo, eu levantei. Tomei meu banho e fui pra cozinha aprontar o café da manhã.

Acordei-te pouco antes das 8. Você não despertou de cara. Meio zonza – com sono – demorou um pouco pra entender o que eu fazia ali, em pé ao lado de sua cama com aquela bandeija nas mãos. Quando se deu conta, ajeitou o cabelo da melhor maneira que pôde, tateou o criado mudo ao lado da cama à procura dos óculos e, quando finalmente os colocou no rosto, sentou-se na cama e disse: “Você é maluco!”. Eu interpretei como um “obrigada”.

Esperei você se ajeitar na sala, lendo o horóscopo. A sinastria amorosa de escorpião e leão não é das mais animadoras quanto ao temperamento do casal, mas uma coisa me deixou contente. Dizia a frase: “...assim como escorpião, leão adora uma amor romântico.”. Sobre a previsão amorosa do dia, coisas muito ambíguas – como sempre – do tipo: “...se você está só, um novo amor pode aparecer. Se está acompanhado, um novo fogo ascender-se-á em seu relacionamento. Mesmo assim gostei da parte “um novo amor pode aparecer”.

Ouvi-te descendo as escadas, então fui te esperar ao pé. E a princesa desceu da torre mais alta bela como só ela poderia. Com seu cabelo preso num rabo-de-cavalo e sua franja penteada um pouco de lado, ela parecia flutuar em seu vestido branco de alcinhas. Eu fiquei ali, imóvel, hipnotizado com sua beleza, e o anjo - ao tocar o chão - perguntou: “vamos?”. “Sim”, respondi. Saímos.

O dia estava lindo. Era primavera na Inglaterra, e a temperatura girava – agradável – em torno dos 22 graus. Um dia quente, fora do comum mesmo naquela época do ano. O céu estava limpo, azul, e o sol radiante – tanto quanto eu, com tua presença. As árvores estavam todas verdinhas, assim como a grama, onde pequenas margaridas davam um colorido especial. Pessoas corriam pra lá e pra cá com seus IPODs, fazendo cooper, outras de bicicleta. Ao longe eu podia ouvir uma partida animada de futebol.

Nós nos sentamos debaixo de uma árvore – o que faríamos por todo o tempo que permanecemos na “Terra da Rainha”. E conversamos. Muito. Falamos sobre nossos irmãos, nossa família. Falamos sobre o mundo. Eu falei sobre mim, e você sobre você. E falamos sobre nós.

Nós estávamos numa época um tanto conturbada. Nem você, nem eu, queríamos algo sério (que ironia!). Eu estava me procurando, e você a si mesma. Mais tarde eu viria a entender: nós nos encontramos um no outro, naquele dia.

O sol já deitava no horizonte , dizendo-me: “ande logo, rapaz, que já são 9 da noite!”. É, os dias são mais longos mesmo, na primavera inglesa. Você pareceu ouvir o alerta, pois ficamos mudos ao mesmo tempo. Eu evitei teus olhos. Você evitou os meus. O silêncio perdurou por uma eternidade. Mesmo os pássaros calaram. Então eu cheguei mais perto, encurtei a distância. Você venceu a linha tênue que nos separava. Eu fechei os olhos. Busquei teu rosto com minha mão – eu sabia exatamente onde ele estava. Toquei-lhe a face de forma tão suave que pensei estar sonhando. Minha mão não precisou conduzir-te. Senti tua respiração próxima da minha.

E nos beijamos.

Hoje faz, exatamente, 47 anos que nós demos aquele primeiro beijo. Minhas pernas vacilam, logo menos vão me trair de vez. Mas eu simplesmente não podia deixar de vir. Ano após ano, mesmo depois que você se foi, eu NUNCA deixei de sentar ao teu lado pra recordarmos aquele dia, e renovarmos nossos votos. Não seria hoje que eu deixaria de fazê-lo.

Eu sei que você não vai gostar de ouvir isso - de novo - mas é verdade. Eu não vejo a hora de te reecontrar. Eu sinto a sua falta.

Robson Ribeiro

sexta-feira, 28 de maio de 2010

Espetáculo dos Sentidos

Tua voz, bela melodia

sussurada ao pé do ouvido.

Me delicio, fico perdido,

tomado pela fantasia.

Teu corpo, escultura

perfeita, uma pintura.

Me delicio, sem ação

tomado pela sedução.

Tua pele se arrepia,

macia, parece veludo.

Me delicio, fico mudo

tomado pela magia.

Teu aroma entorpece:

perfume natural, doce.

Me delicio, viro ator,

tomado pelo amor.

Tua boca, vários sabores:

beijo recatado, ousado.

Me delicio, apaixonado,

tomado pelo descontrole.

Espetáculo dos sentidos,

teu unico defeito (ou não),

é nao ter - de fato - existido,

senão em sonho, imaginação.

Robson Ribeiro

terça-feira, 25 de maio de 2010

A moça e a árvore

A árvore tem vida

A moça também

A árvore é florida

A moça também

A árvore quer frutos

A moça também

A árvore conta minutos

A moça também

A árvore perde folhagem

A moça também

A árvore seca, estiagem

A moça também

A árvore recomeça a lida

A moça também

A árvore tem vida

A moça também

A árvore tem raízes

mas isto a moça não tem

Robson Ribeiro

segunda-feira, 24 de maio de 2010

Minha Natureza

Quando as estrelas caem

e nada pode me levantar

e o meu chão vira teto

só me resta dizer amém

só me resta acreditar

nos planos do Arquiteto

Quando os salgueiros choram

minhas lágrimas são dilúvio

e pra me salvar Arca não há

batidas descompassadas se apegam

mas não tenho outra opção, viúvo,

a não ser deixar que se vá

Quando o vulcão adormece

eu me permito – preciso - sonhar

assim o magma fresco mantém o calor

sonhar me fortalece, me aquece

enche meus pulmões de ar

dá vida à sépia batida e sem cor

Assim eu pinto minha natureza

com um Sol que não gira sozinho

com uma Lua que míngua na solidão

assim encontro beleza, pureza

quando volto – sempre – ao ninho

e encontro você em meu coração

Robson Ribeiro

segunda-feira, 17 de maio de 2010

Faça o que tu queres, mas não diga o que tu pensas.

Hoje eu posso ver: em matéria de crescimento, não há método mais infalível que o de tentativa e erro – erro entre aspas. Nós, seres humanos, somos dotados de livre arbítrio – mais arbitrado que livre, é verdade, mas esse não objeto de discussão agora.

Esse livre arbítrio nos faz querer dirigir nossa própria vida. Uns mais, outros menos, o fato é que nenhum de nós gosta de ouvir os outros nos dizendo o que devemos fazer, mesmo que aquela frase “eu lhe falei...” venha a ferir nossos ouvidos. Nós queremos, sempre, fazer o que nos “dá na telha”. Não importa se algo é bom ou ruim, na visão alheia. Queremos ter nossa própria visão das coisas. Por isso é comum que, em certa fase da vida, passemos a contestar nossos pais. Por isso é comum que subordinados não se deem bem com seus chefes e até mesmo pacientes com seus médicos.

Há situações em que fazer o que nos dizem (mandam) é inevitável. Ou nós “ouvimos” nosso chefe, ou ouvimos nosso estômago roncando. Ou nós “ouvimos” nosso médico ou, provavelmente, não ouviremos nada além das paredes de nosso caixão.

Mas, para crescer (amadurecer), é importante que façamos aquilo que desejamos fazer. Aviso aos sofistas de plantão: não falo de experiências criminosas, tampouco sobre Aleister Crowley e seu “faça o que tu queres pois é tudo da lei”. Isso é OUTRA coisa. Falo de coisas (coisas, aliás, que vivi e estou vivendo) como “se quer casar, case”, “se quer mudar de emprego, mude”, “se quer largar a faculdade, largue”, “se quer morar no exterior, more”.

Não é sobre estar certo ou errado – ISSO é muito relativo. Em toda escolha se ganha de um lado e se perde de outro. Só não perde nem ganha quem fica parado. É sobre viver a vida de forma que valha a pena, sobre ter histórias pra contar. Quem não vive, vive de estórias.

Esse é o primeiro ponto.

O segundo ponto trata sobre o “outro lado da moeda”.

Quem nunca ouviu aquela frase: “um dia você será pai também...”?

Pois é. Muitas vezes nós queremos – e fazemos – algumas “besteiras”, ou “loucuras”. Nessa hora, SEMPRE tem alguém para nos dar um conselho, ou até mesmo tentar nos impedir de fazer tais coisas. Sobre isso já falei.

Mas e quando estamos na outra margem do rio? E quando vemos que alguém está prestes a fazer – ou fazendo – uma “besteira”?

No “auge” de meus “longos” 24 anos de idade, eu aprendi uma coisa: não fale NADA. Melhor, dê apoio. Acontece que, se você notou que a pessoa está fazendo uma “besteira”, e essa pessoa é importante para você, você automaticamente sentiu uma vontade incontrolável de ajudá-la – isso é normal. A melhor maneira de ajudá-la, você pensa, é evitando que ela faça tal besteira. Para evitar, você diz pra ela não fazer. PRONTO! Agora sim ela irá fazer – ninguém gosta que os outros lhe digam o que fazer. E pior, você agora é um “inimigo”, e as pessoas geralmente querem distância de seus inimigos – a menos que possam ACABAR com eles. Em todo caso, tua chance de ajudar se reduz a zero. Portanto, controle-se.

Nessa hora, você deve dar apoio, pois ganhará simpatia. Ao ganhar simpatia, você tem um salvo-conduto pra permanecer ao lado da pessoa. E zelar por ela. Se ela quer cair, deixe que caia, mas esteja por perto para ajudá-la a se levantar. O machucado em seu joelho será a melhor forma de ensiná-la que ela não deve cair e acredite, ela vai lembrar de você sem que você diga “eu lhe falei...”. E será grata por isso.

Geralmente, quando vemos uma pessoa num labirinto podemos ver, também, a saída do labirinto. Se há saída, não se preocupe em mostrar pra pessoa. Deixe que ela encontre por si só, pois só assim ela vai aprender o caminho. É mais ou menos como andar pela cidade com um GPS: o dia que ele não estiver lá, você também não estará onde tiver de estar.

É óbvio que não falo sobre “como educar seus filhos” ou crianças em geral. Falo sobre como ajudar pessoas que amamamos, como parentes, amigos, namorados, cônjujes, etc.

Nesse contexto, é melhor ajudar um novo sábio a se levantar que manter um ignorante de pé.

Robson Ribeiro

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Simples assim

Ela acordou pela manhã, feliz da vida – como sempre.

Ele acordou pela manhã, rebugentíssimo – como sempre.

Ela deu bom dia pras plantas, pros pássaros, pra porta, pras paredes, pro pai, pra mãe, pro irmão, pros cachorros, pra mesa, pra pia, pro espelho. Ela deu bom dia pra TUDO que seus olhos viam.

Ele não deu bom dia pra ninguém. Nem pra si mesmo.

Ela tomou banho, se arrumou, tomou café da manhã com a família, conversou bastante com todos eles. Deu uma espiadinha no quintal e falou com os cachorros. Passou pelo santuário, conversou com os antepassados, conversou com o Mestre, e agradeceu. Agradeceu por mais um dia, por estar viva! E assim, feliz, foi pro colégio.

Ele não tomou banho pois o tomara no dia anterior, como sempre. Lavou o rosto, se vestiu – tudo às pressas, pois estava atrasado como sempre – tomou uma xícara de café preto sem ao menos olhar na face de sua mãe, que se levantara apenas para lhe dar o café, e saiu correndo porta a fora. Sua mãe lhe disse alguma coisa, mas ele não ouviu.

Ela notou que o dia estava lindo: o céu azul, o sol radiante, lindas azaléias desafiando o frio do outono e pássaros animados numa conversa matinal.

Ele não notou nada disso.

Ela vestia uma calça jeans boca-de-sino azul clarinho, uma blusinha branca com a oração pela paz mundial, um cinto vermelho e um tênis branco/cinza. O cabelo preso na nuca em “rabo-de-cavalo”. Usava algumas pulseiras no braço esquerdo, brincos discretos e um anel de compromisso no dedo anelar direito.

Ele vestia uma camisa preta de uma famosa banda de heavy metal setentista, uma calça jeans surrada e um tênis preto. O cabelo desgrenhado, crescendo desordenadamente. Quatro brincos na orelha esquerda e dois na direita.

Ela caminhou uns 15 minutos de casa até o ponto de ônibus, onde esperou por mais 10 minutos pela condução, que veio lotada. Com um sorriso no rosto, deu bom dia para o motorista e para o cobrador, passou a catraca e se acomodou lá pelo meio do coletivo.

Ele caminhou uns 15 minutos de casa até o ponto de ônibus, onde não esperou mais do que um minuto pra pegar o primeiro ônibus que chegou, lotado. Com sua carranca habitual, passou – empurrando todos os outros passageiros – para o fundo do ônibus, onde se escorou junto à porta traseira.

Ela chegou na escola 15 minutos antes de tocar o sinal.

Ele chegou na escola no momento em que tocava o sinal.

Ela, calmamente, encontrou algumas colegas, deu bom dia à todas, uma por uma, e foi pra classe.

Ele, estressado, não falou com ninguém e correu pra classe.

Ela sabia em que classe seria a aula naquele dia.

Ele, não.

Ela vinha subindo a escadaria principal do prédio principal da escola, envolta numa conversa muito animada com suas colegas.

Ele vinha descendo a escadaria principal do prédio principal da escola, perdido em seus próprios pensamentos, tentando descobrir pra onde ir.

Ela olhou pra cima.

Ele olhou pra baixo.

Ela olhou dentro de seus olhos, bem fundo. Abriu seu sorriso lindo e sincero – como sempre – e lhe disse: bom dia!

Ele, atordoado, pego de surpresa, lhe respondeu: bom dia.

Ela seguiu seu caminho com as colegas. Passou por ele pelas escadas e levou consigo o coração do rapaz.

Ele sorriu pela primeira vez naquele dia. Pela primeira vez em muito tempo. Estava apaixonado. Simples assim.

Robson Ribeiro

quarta-feira, 12 de maio de 2010

Eu sou o desapego

De volta pr'esta terra fria e distante não consigo deixar de pensar numa coisa: eu sou o desapego. Criei, pra tentar explicar a tortuosidade da vida, uma teoria. A teoria da espiral. Coisa básica: nós sempre rodamos e sempre chegamos no mesmo ponto, porém, um nível acima. Alguns dirão que podemos também descer os níveis, mas eu não penso assim. Penso que estamos sempre subindo, mesmo quando parecemos descer, assim como os números negativos que tendem a zero e depois deste passam a ser positivos. O fundo do poço é sempre o meio do caminho, não o final. Ainda que alguns insistam em ficar por lá.

Pois bem. Eu sou o desapego. O Sr. Michaelis assim define o desapego:

de.sa.pe.go
(ê) sm (des+apego) 1 Desafeição, desamor, indiferença. 2 Desinteresse. 3 Desprendimento. Var: despego. Antôn (acepções 1 e 2): amor, interesse

Eu sou o desapego nº3. Desprendimento. Os outros dois, pra mim, não existem. Explico: há que se existir muita afeição, muito amor e muito interesse para se ter coragem de desprender-se das pessoas amadas tirando, assim, de suas pernas, os grilhões que lhe impedem o desenvolvimento. Sou o desprendimento porque gosto da liberdade minha e alheia. A liberdade faz parte da genealogia do crescimento, este a força que nos impulsiona na espiral da vida.

É claro que nem sempre pensei assim. Na verdade, sequer pensei sobre isso por grande parte da minha vida e, por isso mesmo, agi sempre de forma totalmente inversa. Tive a sorte, porém, de encontrar pessoas que, conscientemente ou não, me fizeram o grande favor de libertar-me dos grilhões chamados “relacionamentos humanos”.

Sim, os relacionamentos humanos são, em sua maioria, grilhões que nos acorrentam em determinados tempo e espaço, nos impedindo de trilhar nosso caminho pela espiral da vida. Isso acontece porque o ser humano é carente. O ser humano é um animal carente, tem medo de ficar sozinho. Pelo menos o ser humano atual. Por isso tendem a se apegar uns aos outros, de forma que a força gravitacional dessa união impede a cada indivíduo que dela faça parte de alçar seu próprio voo.

Os relacionamentos humanos precisam ser repensados, re-sentidos (não ressentidos).

Em primeiro lugar, devemos compreender a teoria da espiral. Nós SEMPRE voltamos ao mesmo ponto, o que quer dizer que SEMPRE vamos reencontrar aquelas pessoas especiais, que marcaram nossa vida. Ter esta convicção torna tudo mais fácil. Eu sei que vou te reencontrar, e que você (e eu) estará um nível acima na espiral, terá crescido.

Saber que vais reencontrar estas pessoas, por si só, já é um bom pensamento. Saber que vais reencontrar, além das pessoas, um relacionamento mais maduro e portanto mais prazeroso, é motivo suficiente pra deixá-las viver o que têm pra viver. Paralelamente, viverás também o que tens pra viver, e amaducerer também a si próprio.

O segundo ponto é quanto a memória. A memória é testemunha-chave da consciência, nosso advogado-do-diabo (chamado por Freud de superego). Portanto, tua memória deve registrar bons momentos vividos ao lado das pessoas que amas, pois é muito mais fácil desprender-te das pessoas quando tens certeza de que não perdeste tempo precioso com bobagens. Tempo perdido nós sempre vamos tentar recuperar. Impossível. Recuperar tempo perdido é perder tempo vindouro, o que dá na mesma, o prejuízo está sempre lá.

O desapego deve ser praticado em todos os relacionamentos. Tenho que dizer que o desapego não se aplica apenas aos casos cuja separação é o melhor a ser feito. Ele se aplica mesmo em relacionamentos cuja presença é imprescindível, como o casamento.

O último ponto, porém a ordem dos fatores não altera o produto, é o seguinte: para que consigas desapegar-te das pessoas, deves estar muito bem consigo mesmo. Deves pensar, estar ciente e consciente de tua própria vida, do que tens e do que precisas, para que possas viver tua própria vida com propriedade.

Robson Ribeiro

domingo, 9 de maio de 2010

Apito amigo

Priiiiiiiiiiiiiiiiiiiii!

“Bosta. Não tenho certeza se foi pênalti. Agora já era. Pior que tenho que dar o cartão vermelho, esse aí já tem amarelo. Se marquei esse pênalti, o cartão é obrigação – não posso mostrar a dúvida, vou perder a moral. Fodi o time duas vezes. Pra que ficar com essa merda de apito na boca, qualquer instinto o sopro sai e fode tudo. Merda! Vão dizer por aí que eu ando favorecendo o time da casa, de novo!”

“Porra, eu não acredito! Esse filho da puta não viu que o viadinho se jogou?! Tá certo, eu caí no carrinho, mas tirei a perna em cima da hora! Caralho, ele ainda me expulsou! E agora? Jogar uma final fora de casa já é difícil pra cacete, com um a menos então, impossível! Puta que o pariu! E logo eu vou ficar fora dum jogo desses? É dar adeus à minha chance de ir pra Copa também! Filho da puta!”

“Hahahahahaha!! Ele caiu!! Ele deu o pênalti!! Não acredito! O povo fala que eu sou um jogador “cai-cai” mas quem sempre “cai” é o juiz!! Hahahaha!! Maravilha! Um pênalti agora é tudo que a gente precisava! Com o time dos caras pressionando a gente daquele jeito, logo íamos tomar um gol. 1 a 0 pra eles matava a gente – os caras iam armar uma retranca do cacete, e pegar a gente no contra-ataque pra matar o jogo! Mas agora muda tudo! Graças ao “juju” a gente vai abrir o placar, e de quebra vamos jogar com um a mais!! Perfeito!”

“Ótimo! Um pênalti pra gente. Não podemos desperdiçar. O 10 anda treinando muito, é o batedor oficial, mas não tá bem no jogo hoje. Não posso deixar ele bater. Se ele perder, nossa chance de abrir o placar e fechar o jogo vai pro saco. Vou mandar o 7 bater, ele é rodado, maduro, experiente. Copa do Brasil não é nada pra quem já disputou a “Champions League” 4 vezes na carreira...”

“Cazzo! Juiz do caralho! Apitando pro time da casa de novo! Achei muito estranho ele não aceitar a minha oferta, no mínimo o presidente de lá ofereceu mais. Filho da puta! E o viado ainda deu sorte, porque esse pênalti não foi pênalti, mas dá pra discutir, interpretar. Merda. Nossa classificação pra Libertadores vai ser adiada se perdermos essa final – e nosso patrocínio também. Eu sabia que deveria ter oferecido mais, a oposição vai se crescer em cima disso. Cáspita!”

“O treinador me mandou bater. É uma merda. A gente vai pra fora, roda, roda, roda, mas essa porra de friozinho nunca sai da barriga na hora de cobrar um pênalti – principalmente um pênalti como esse, final de campeonato, a torcida na fila há anos, numa seca dos diabos pra ganhar algum título, zoar um pouco, depois de tanto tempo sendo zoada! Mas tudo bem, é só bater consciente. Sem paradinha, sem firula. Só um canudo no meio. Goleiro nenhum pega um canudo no meio, eles sempre pulam!”

“É o 7 quem vai bater. Graças a Deus. O 7 nunca erra um pênalti! E o cara é ídolo, merece fazer esse gol na final! Depois de tanta coisa que fez pelo clube, acho legal o treinador mandar ele bater, pra se aposentar com moral! Maravilha, a gente vai ser campeão depois de tanto tempo!! Aquele boteco vai ficar pequeno, a galera não vai me aguentar! Hahahaha! Valeu a pena pegar aquela fila dos diabos, pagar aquele preço salgado sem-noção pra ver meu time campeão!!”

“Pênalti? O juiz deu pênalti? Ai meu Deus! Que filho da puta!! Que belo filho duma puta! Caralho! Tanta fila pra nada, vamos morrer na praia de novo! Tudo por causa de um juiz ladrão! Ladrão e filho da puta!! Aquele boteco vai ficar um saco, com aquele zé ruela enchendo o saco por causa de um titulozinho sem-vergonha como esse! Que merda!”

“Êita juizinho filho duma puta viu?! Onde que ele viu pênalti, meu deus, ONDE? Agora ele me fode de vez. Claro, porque sempre sobra pro goleiro. O time põe tudo nas tuas costas, o treinador, o presidente e a torcida! Tudo depende de você, só você pode pegar a porra do pênalti. E não faz mais do que obrigação, se conseguir! Juiz do caralho! Mas tudo bem. Preciso me concentrar, quem vai bater é o 7. Vou ficar parado, não quero tomar gol de paradinha na final do campeonato. Vou ficar parado e pular quando sair o chute. E seja o que Deus quiser!”

“Eu não acredito! Ele pegou! Ele pegou a porra da bola, não deu nem rebote! Preciso tirar um atacante e colocar um zagueiro pra recompor a defesa, porque isso muda tudo...”

Robson Ribeiro