terça-feira, 29 de junho de 2010

A linha tênue entre o sonho e o pesadelo

Faltavam 20 minutos pra meia-noite, era sexta-feira e a rua estava atipicamente calma – o boteco não tocava forró, nem música ao vivo; nenhum carro tocava funk em volumes insanos; nenhum vizinho brigando. Era noite de lua cheia e fazia muito calor. Eu estava na cama, deitado, naquele estado semi-consciente que a gente fica quando tá muito cansado mas não consegue dormir:

“...É, dessa vez o Jack tá perdido. Quero ver como ele vai descobrir quem é o traidor antes de matarem sua filha... Amanhã o dia tá cheio, graças a Deus. Até que a gente tá conseguindo bastante alunos de violão – ufa! As bandas também têm aparecido pra ensaiar, acho que esse mês a escola paga suas próprias contas e ainda sobra um pouco...A Ná já tá dormindo. Tadinha, tem sido muito puxado esse trabalho novo dela...”

“...Que barulho foi esse?...Hum, acho que não foi nada, senão o Mané estaria latindo. Desde que invadiram a escola da primeira vez e nós passamos a dormir aqui nos fundos eu não passo uma noitezinha sequer sem essa apreensão. Mas Deus há de proteger a gente...”

De repente, sem nenhum aviso prévio, ouvi um barulho na porta do quarto, alguma coisa raspando-a e forçando-a:

“...Mas esse Mané é um cãozinho sem-vergonha, tá tentando entrar aqui no quarto de novo. Eu sei que o cocker é uma raça muito carente, e sei que nós o acostumamos a dormir com a gente. Mas essa edícula que chamamos de “quarto” já é pequena demais pra mim e pra Ná – não dá pra dividir com o Mané. Ademais, é importante que ele durma lá fora pra - por que ele tá latindo desse jeito? Não é um latido normal, como aquele que late pros gatos. Esse tá mais bravo, mais urgente. Acho que vou ver o que é...”

Levantei da cama e dei uma espiada na janela:

“Ah filho da puta!”

Sai correndo, o Mané atrás de mim, latindo muito. Entrei na casa principal do terreno – onde era nossa escola de música – pela porta dos fundos, que dava acesso à recepção (onde ficava também a porta pra rua). Peguei a primeira coisa que vi pela frente.

O Mané voltou, foi avisar a “mamãe” dele.

Com o cabo da vassoura em riste virei-me pra porta de acesso ao corredor, que por sua vez dava acesso às salas de aula. Ele já estava lá, e não pôde conter a cara de espanto ao me ver – talvez esperasse que a escola estivesse vazia como da outra vez que entrou e fez a festa (levou quase R$ 5000,00 entre equipamentos e instrumentos). Eu já tinha perdido o controle.

Quebrei o cabo da vassoura na cabeça dele e o agarrei pelo pescoço antes que pudesse reagir. Nessa posição, dei-lhe alguns socos no rosto enquanto o apertava com o outro braço, sufocando-o. Nessa hora a Ná apareceu na porta dos fundos, o Mané junto, latindo.



    • AI MEU DEUS! - ela gritou. Talvez o grito mais desesperado que eu já ouvi.




Ele aproveitou minha distração e se desvencilhou de mim. Correu em direção à porta dos fundos – onde estava a Ná – com esperança de fugir por ali. Corri no seu encalço. No quintal, ele percebeu que não tinha por onde sair e resolveu negociar:



    • Abre a porta que eu vou embora - o nariz dele sangrava.




Eu só queria vê-lo longe da minha família. Foi exatamente o que eu fiz. Ao ver-se livre, ele desdenhou: “falou trouxa!”.

Tranquei a escola.

Tentei me acalmar.

Tentei acalmar a Ná.

Tentei acalmar o Mané.

Liguei pra polícia, que demorou cerca de uma hora pra atender nosso chamado. Quando chegaram, expliquei o que aconteceu: “...então eu olhei pela janela do quarto e vi uma luz acesa na sala de aula, onde um vulto mexia nas coisas dentro do armário. Saí correndo e...”.

Não é preciso dizer que a polícia não fez nada.

Naquela noite não conseguimos dormir.

Um mês depois fechamos nossa escola – e assim acabou-se nosso sonho.

Robson Ribeiro

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Como sempre

Antes de você:

A Terra girava,

O Sol nascia,

Minha vida seguia

como sempre.

Junto de você:

A Terra girava,

O Sol nascia,

Minha vida seguia

como sempre.

Depois de você:

A Terra gira,

O Sol nasce,

Minha vida segue

como sempre.

O que mudei?

O quê? Mudei.

Robson Ribeiro

sábado, 26 de junho de 2010

Comédias (românticas) da vida privada

De:

"emerson rosa" <edilimarosa@nãovemaocaso.com>

Para:

“robson ribeiro” <robsonsky@yahoo.com.br>

Nego, o que aconteceu foi o seguinte: quando eu tinha uns oito anos de idade, era muito apaixonado por uma menina da escola – o nome dela era Tatiana. Nossa, como eu achava aquela garota bonita! Acho que fui apaixonado por ela até a quinta série, sei lá. E todo mundo da escola sabia que eu era apaixonado por ela kkkkkkkkkk.

E quem eu encontrei ontem? Exato. Eu estava ensaiando o coral no Ponto de Cultura quando uma mulher muito linda veio em minha direção (até olhei pra trás pra ver se tinha mais alguém, não era possível que uma mulher como aquela estivesse vindo falar comigo!).

Então ela disse: “oi professor, tudo bem?”. Respondi, meio sem graça e com o coração quase na boca: “tudo”. A moça se apresentou: “eu sou professora de desenho aqui no Ponto de Cultura. Sempre que você acaba o ensaio do coral eu te procuro, mas você já está dentro do carro indo embora, sempre numa correria danada! Nunca tenho a chance de perguntar, então resolvi interromper o ensaio...”

“Perguntar o quê?” perguntei eu, de forma um tanto afoita (pra que tanto rodeio? É claro que eu aceito me casar com você! - pensei). Ela disse: “você estudou na escola Conselheiro, com a professora Marinalva, nas segunda e terceira séries, não?”. Já sem muita pasciência pra'quele papo furado que sempre precede os finalmentes no primeiro encontro dos casais, respondi: “estudei sim. MAS QUAL É O SEU NOME?”

“Tatiana, você lembra de mim?”

Não – pensei. “Mas é claro!” - respondi. Homem não presta. Nego, ela mudou muito! Mas depois de algum tempo eu lembrei daqueles olhos lindos...Então falei, com um sorriso enorme no rosto (o mesmo que deve ter uma pessoa, incrédula, ao ganhar na mega-sena): “nossa, que legal!”. Então ela me deu um abraço super apertado – apertado demais pra que eu pudesse me controlar. Ou melhor, “controlá-lo”.

Ela perguntou: “você era super apaixonado por mim, lembra?”. Até então eu não lembrava de nada, mas não seria de se estranhar, eu sempre tive bom gosto pra mulher. E sou muito exigente, você sabe. Eu vou casar com uma mulher linda, mesmo que ela esteja de olho só no meu dinheiro! E se for preciso, eu vou investir uma grana nela, pra ficar com tudo em cima! Não vou ter miserê com isso não kkkkkkkkkk.

“Lembra daquela caixa de bombom que você ganhou da tua mãe e me deu no dia seguinte? E de quando você me protegia nas aulas de educação física, pra que eu não levasse boladas?” ela perguntou. “Não...” eu respondi. “Mas eu me lembro de tudo que você fazia por mim na escola! Guardo essas lembranças até hoje, com muito carinho...”. Nego, quando ela me disse essas coisas, um filme passou na minha cabeça, e eu comecei a lembrar daquela época, e do quanto eu gostava dessa menina!

Finalmente nós trocamos telefone (eu já estava suando frio, as mãos e a testa salpicadas de gotinhas) e combinamos um encontro.

Ela disse: “quando você puder, me liga! Vai ser ótimo te ver fora do Ponto de Cultura, com bastante tempo pra gente conversar...”

Respondi: “Mas é claro! Quando você pode?”

Ela: “bom, nesse final de semana eu estou livre...”

Eu: “ótimo!! O que você quer fazer?”

Ela: “bom, seria legal se você pudesse ir lá em casa...” - comecei a flutuar - “...pra conhecer meu marido e meus filhos...” - e tomei o tombo mais espetacular da minha vida! Dá pra acreditar? Kkkkkkkkkkk.

Robson Ribeiro

quarta-feira, 23 de junho de 2010

sem Nome

O meu relógio não se mexia,

o meu mundo era aquela praça.

Meu casulo de inocente alegria

era tecido com o ar de tua graça.

Eu falava, falava e falava. Pena.

Quase nunca eu ouvia. Desculpa.

Hoje sou uma pessoa mais amena,

mas a que custo? Minha culpa.

O sonho? Ser feliz pra sempre.

Mas, de repente, o labirinto.
A loucura me caiu no ventre

Amarga e indigesta como absinto.

Muito sonhei, pouco vivi.

O sonho foi virando pesadelo,

urubu no lugar do bem-te-vi.

Esqueci de acordar, hoje eu vejo.

Não joguei a âncora e você se foi.

Não plantei nada e você se foi.

Não disse “bom dia” e você se foi.

Eu fiquei perdido e você se foi.

Tarde demais nunca foi tão tarde.

Mesmo assim não saberia o que fazer.

Não saberia o que, nem como dizer.

Talvez eu continue um covarde.

Como noiva no altar sem o anel,

Alma penada procurando o céu,

Cavalo inanimado preso no carrossel,

Pintor com tinta sem pincel.

É assim que eu me sinto quando penso,

quando seco o rosto, quando me rendo.

Esse momento está por demais extenso,

com cara do pesadelo mais horrendo:

Preso na eterna e densa escuridão,

com uma flecha travessa no coração,

olhos bem abertos sem intenção,

vendo você distante e sem reação.

E pensar que meu relógio não se mexia,

que o meu mundo era aquela praça.

Que o meu casulo de inocente alegria

era tecido com o ar de tua graça.

Quem poderia imaginar?

Quem pode explicar?

Robson Ribeiro

segunda-feira, 21 de junho de 2010

A vingança

Pedaço de mim arrancado

deixou-me na carne viva

a alma morta. Sem vida.

O sangue jorra amargo.

Ninguém cuidou do feto

torturaram-no a fogo e ferro

largaram-no sem essência

no labirinto da existência

deixado ali pra morrer

mais um corpo sem um ser

vai renascer sem lógica

como a ave mitológica

teu ciclo de dor me amarra

pelo menos não sou imortal

no dia do juízo do final

eu vou rir na tua cara.

"Senhor escreve torto."

Robson Ribeiro

quarta-feira, 2 de junho de 2010

Parabéns

F icar triste não vale, nada de mortiço!

E u sei, os anos passam, ficamos velhos,

L ogo a morte vem prestar seu desserviço.

I ntrépido ciclo da vida, está nos evangelhos,

Z angar-se com isso só causa mais rebuliço!

A vida vai embora mesmo, não tem solução!

N ada que fizeres vai mudar esta situação...

I sto, porém, não deve impedir-te de viver agora.

V iva, viva, VIVA! Faça o que gosta, sem demora!

E stude, dance, cante, arrume um grande amor!

S e a vida é curta, que seja bela como uma flor!

Á ria não serve hoje, é música pra coral.

R eúna família e amigos, em casa mesmo, não faz mal!

I nicie uma festa sem hora pra acabar (…).

O u, melhor ainda: nunca pare de festejar!

Robson Ribeiro