“...É, dessa vez o Jack tá perdido. Quero ver como ele vai descobrir quem é o traidor antes de matarem sua filha... Amanhã o dia tá cheio, graças a Deus. Até que a gente tá conseguindo bastante alunos de violão – ufa! As bandas também têm aparecido pra ensaiar, acho que esse mês a escola paga suas próprias contas e ainda sobra um pouco...A Ná já tá dormindo. Tadinha, tem sido muito puxado esse trabalho novo dela...”
“...Que barulho foi esse?...Hum, acho que não foi nada, senão o Mané estaria latindo. Desde que invadiram a escola da primeira vez e nós passamos a dormir aqui nos fundos eu não passo uma noitezinha sequer sem essa apreensão. Mas Deus há de proteger a gente...”
De repente, sem nenhum aviso prévio, ouvi um barulho na porta do quarto, alguma coisa raspando-a e forçando-a:
“...Mas esse Mané é um cãozinho sem-vergonha, tá tentando entrar aqui no quarto de novo. Eu sei que o cocker é uma raça muito carente, e sei que nós o acostumamos a dormir com a gente. Mas essa edícula que chamamos de “quarto” já é pequena demais pra mim e pra Ná – não dá pra dividir com o Mané. Ademais, é importante que ele durma lá fora pra - por que ele tá latindo desse jeito? Não é um latido normal, como aquele que late pros gatos. Esse tá mais bravo, mais urgente. Acho que vou ver o que é...”
Levantei da cama e dei uma espiada na janela:
“Ah filho da puta!”
Sai correndo, o Mané atrás de mim, latindo muito. Entrei na casa principal do terreno – onde era nossa escola de música – pela porta dos fundos, que dava acesso à recepção (onde ficava também a porta pra rua). Peguei a primeira coisa que vi pela frente.
O Mané voltou, foi avisar a “mamãe” dele.
Com o cabo da vassoura em riste virei-me pra porta de acesso ao corredor, que por sua vez dava acesso às salas de aula. Ele já estava lá, e não pôde conter a cara de espanto ao me ver – talvez esperasse que a escola estivesse vazia como da outra vez que entrou e fez a festa (levou quase R$ 5000,00 entre equipamentos e instrumentos). Eu já tinha perdido o controle.
Quebrei o cabo da vassoura na cabeça dele e o agarrei pelo pescoço antes que pudesse reagir. Nessa posição, dei-lhe alguns socos no rosto enquanto o apertava com o outro braço, sufocando-o. Nessa hora a Ná apareceu na porta dos fundos, o Mané junto, latindo.
- AI MEU DEUS! - ela gritou. Talvez o grito mais desesperado que eu já ouvi.
Ele aproveitou minha distração e se desvencilhou de mim. Correu em direção à porta dos fundos – onde estava a Ná – com esperança de fugir por ali. Corri no seu encalço. No quintal, ele percebeu que não tinha por onde sair e resolveu negociar:
- Abre a porta que eu vou embora - o nariz dele sangrava.
Eu só queria vê-lo longe da minha família. Foi exatamente o que eu fiz. Ao ver-se livre, ele desdenhou: “falou trouxa!”.
Tranquei a escola.
Tentei me acalmar.
Tentei acalmar a Ná.
Tentei acalmar o Mané.
Liguei pra polícia, que demorou cerca de uma hora pra atender nosso chamado. Quando chegaram, expliquei o que aconteceu: “...então eu olhei pela janela do quarto e vi uma luz acesa na sala de aula, onde um vulto mexia nas coisas dentro do armário. Saí correndo e...”.
Não é preciso dizer que a polícia não fez nada.
Naquela noite não conseguimos dormir.
Um mês depois fechamos nossa escola – e assim acabou-se nosso sonho.
Robson Ribeiro