quinta-feira, 22 de julho de 2010

Os Artefatos Mágicos

O ambiente era hostil. Não havia azul nem verde. Agora o nome Terra vinha a calhar, pois era a única coisa que sobrara: uma terra morta e cinzenta por todos os lados, até onde a vista alcançava. Não havia mais água, não havia mais vegetação e nem animais. Só restavam ruínas daquilo que um dia fora chamado “civilização”.
Os poucos seres humanos que sobreviveram dividiram-se em tribos nômades. Seres humanos por mera questão taxonômica, pois em quase nada assemelhavam-se aos seres humanos da Idade Dourada. Seus corpos eram tão magérrimos devido ao estado de quase-inanição em que viviam que seu pescoço sustentava a cabeça (que parecia maior agora) com alguma dificuldade. Mal podiam ficar de pé e de fato o faziam por pouquíssimo tempo, somente quando era estritamente necessário.
Estes poucos sobreviveram graças à duas invenções geniais: os abrigos anti-aéreos e o filtro de urina. O filtro garantia-lhes a água necessária para beber e para cozinhar os restos mortais de quem “ficava pelo caminho”. O ser humano havia, enfim, aprendido a reciclar.
Numa caverna que servia de abrigo contra o vento frio e cortante, um garoto conversava com seu pai:
- Papai, me conta aquela história de novo?
- Que história, querido?
- Aquela sobre os “atefados” mágicos!
- “Artefatos” filho, “artefatos”...
- Isso! Conta!?
- Tudo bem. Aquela época era chamada de “Idade Dourada”. Ainda existiam mares, oceanos, rios, árvores, flores, animais...ainda existia vida, muita vida! Muitas pessoas pra lá e pra cá, todas procurando artefatos mágicos para si próprias...
- Existiam muitos né papai?
- Sim meu filho. Existiam muitos. E o poder deles era realmente grande: os artefatos mágicos eram capazes de ampliar a característica mais marcante de quem os possuísse. Desta forma, quem tivesse muitos artefatos era capaz de realizar grandes obras...
- Isso quer dizer que se eu tivesse muitos desses artefatos eu poderia acabar com a fome, com as doenças e com o sofrimento da nossa tribo, papai?
- Isso mesmo filho, tão pequeno e tão esperto! Há quem pense que os artefatos, apesar de aumentar o poder das pessoas, as deixava malvadas também. Mas não é verdade. Os artefatos apenas ampliam aquilo que somos. Você é uma pessoinha boa filho, então os artefatos aumentariam essa bondade e você seria capaz de realizar grandes obras pra acabar com esses problemas todos...
- Então porque a gente não procura alguns artefatos papai?
- Ah meu filho, eles não nos ajudariam em nada...
- Por que papai?
- Os artefatos mágicos perderam seu valor no mundo de hoje filho. Perderam sua magia.
- Por que papai?
- Porque o mundo não tem mais vida meu filho. Sem vida não há magia.
- Por que o mundo não tem mais vida papai?
- Ora menino! Chega de tantos “porquês”. Responderei só mais este: durante a Idade Dourada, um homem especialmente malvado conseguiu mais artefatos mágicos que qualquer outro. Todo aquele poder ampliando sua maldade o deixou cego. Ele queria sempre mais e mais até que, em meio à sua loucura, ele destruiu tudo ao seu redor e fez do mundo aquilo que nós vemos hoje...
- Poxa. Como pode, papai, a mesma coisa ser capaz de acabar com a dor e com o sofrimento e, ao mesmo tempo, ser capaz de destruir tudo?
- O ser humano filho. O ser humano sempre foi a chave de tudo, mas as pessoas não quiseram ver...
- Mesmo que não seja mais uma coisa mágica, eu gostaria de ver um desses artefatos papai...
- Na verdade, eu tenho um bem aqui no bolso, filho.
- O pai entregou o objeto ao filho, que tinha agora em mãos um pedacinho redondo e achatado de metal cujas faces eram cuidadosamente desenhadas. De um lado, um rosto feminino. Do outro, o garoto pôde ler: “1 real”.

Robson Ribeiro

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Felicidade I

Felicidade não é ter dinheiro,

isso é consequência.

Felicidade não é esbanjar,

isso é aparência.

Felicidade não é se apegar a alguém,

isso é dependência.

Felicidade não é ter talento,

isso é latência.

-x-

Felicidade é ter um objetivo

e seguí-lo com inteligência.

Felicidade é tropeçar, cair,

e se levantar com frequência.

Felicidade é acompanhar o ritmo

sem perder a sapiência.

Felicidade é percorrer o caminho

entre o querer e o conquistar.

E haja paciência.

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Sobre a comunicação

Um pequeno prefácio

Quando trabalhei na área de garantia da qualidade, na implantação de sistemas da qualidade (a famosa ISO 9000), aprendi um conceito que não está presente no Michaelis: a diferença entre eficácia e eficiência. Basicamente, eficácia é “fazer a coisa certa” e eficiência é “fazer da melhor forma”.

Sendo assim, imagine que seu objetivo seja cortar um pão como uma faca. Se você corta o pão, mas corta o dedo junto, você foi eficaz – pois atingiu seu objetivo – mas não foi eficiente, pois cortar o dedo não fazia parte do plano inicial. Ou então imagine uma corrida onde todos os pilotos completam todas as voltas: todos foram eficazes, porém tiveram níveis diferentes de eficiência: o primeiro foi mais eficiente que o segundo e assim por diante.

Sobre a comunicação

Neste nosso mundo atual muito se fala sobre a comunicação. Ela se tornou objeto de estudos profundos, visto que a mesma quando bem feita aumenta a produtividade de qualquer coisa em qualquer área.

Desta forma, os especialistas dizem que para haver comunicação é preciso que haja um emissor, um receptor, uma mensagem, um meio e etc. À partir deste estudo, a comunicação técnica obteve grande avanço – seja por meio de manuais escritos, desenhos técnicos ou mesmo de forma verbal. O problema é que fora deste contexto a comunicação não tem a mesma eficiência – nem a mesma eficácia, eu diria.

Quando lidamos com linguagem técnica, lidamos com uma comunicação matemática. As coisas são ou não são como num sistema binário (que trabalha apenas com 0 e 1, sim ou não), sem que emissor e receptor possam interferir com interpretações pessoais sobre a mensagem. Mas não é assim quando se trata de relacionamentos humanos. Nestes, a mensagem assume significados diferentes para emissor e receptor.

Nós dificilmente ouvimos o que nosso interlocutor está dizendo. Geralmente, ouvimos o que “achamos que ele quer dizer” – e é aqui onde começam os equívocos na comunicação. Isso acontece porque cada ser humano tem conhecimentos e vivências diferentes e, a partir disto, busca interpretar o mundo à sua volta. Essa interpretação atinge também as mensagens que recebemos diariamente e isso se aplica a todos os tipos de comunicação citados anteriormente.

Durante um diálogo – tomo por diálogo qualquer situação onde ocorra comunicação, ou seja, qualquer atividade em que haja emissor, receptor e mensagem, como uma conversa (formal ou informal), uma leitura, assistir a um filme ou a uma peça de teatro, etc. - existem basicamente dois tipos de comportamentos adotados pelo ser humano: o separado e o ligado.

O comportamento separado é aquele em que o receptor recebe a mensagem e tenta – as vezes de maneira automática – encontrar uma brecha que possa explorar com o intuito de derrubar o argumento do emissor. Este comportamento é comum, para citar alguns exemplos, entre discussões de casais, pais e filhos, advogados de defesa e acusação, etc. Ou seja, o comportamento separado está, quase sempre, presente num contexto de conflito.

O comportamento ligado, como os próprios nomes sugerem, é exatamente oposto ao comportamento separado. No ligado, o receptor está realmente interessado em compreender o ponto de vista do emissor. Isso não quer dizer que o receptor vá concordar com este ponto de vista, mas qualquer julgamento que ele venha a fazer sobre a questão será tecido apenas depois de compreender de fato do que se trata a questão. Este é - ou deveria ser - um comportamento comum entre mestre e aprendiz.

Partindo destes dois princípios, para garantir a eficácia e aumentar a eficiência da comunicação, é necessário fazer uma análise de cada situação e uma escolha consciente entre os dois tipos de comportamento deve ser feita.

Sabendo qual a questão em pauta, e escolhendo o melhor comportamento para adotar durante o diálogo, as chances de atingir o objetivo serão muito maiores. Alguns exemplos:

Se você recebeu uma ligação do tipo “tele(chato)marketing”, elegantemente separado (afinal o pobre operador é um ser humano e tem família pra sustentar) destrua seu interlocutor e coma-lhe o fígado sem dó.

Por outro lado, se tua mulher (namorada, amante, esposa ou todas-as-anteriores) está te pentelhando, gentilmente ligado compreenda o por quê daquela toalha molhada e embolada em cima da cama a incomodar tanto. Desta forma, as famosas DR terão um final feliz, ao melhor estilo “assassino profissional” – rápido, limpo e sem dor – e você poderá, enfim, assistir ao jogo de domingo em paz.

Robson Ribeiro

quinta-feira, 15 de julho de 2010

Joelho Ralado

Não importa o quanto o chão seja duro

Não importa se você tem medo do escuro

Não importa se estás ou não maduro

Levante-se

Não importa se te deram uma rasteira

Não siga tapando o sol com uma peneira

Ficar se lamentando é uma grande besteira

Levante-se

Não importa se você sente-se sozinho

Não importa se você não tem um ninho

Uma hora terás de voar como um passarinho

Levante-se

Não importa se você tem receio

Não importa o motivo do seu bloqueio

Você tem de mostrar a que veio

Levante-se

Não tenha medo de cair novamente

Dói muito mais quando a gente pré-sente

Mas se acontecer de novo, não se lamente

Levante-se

Você tem que se doar ao mundo

Por mais que este seja imundo

Mudá-lo é seu desejo mais profundo

então Levante-se!

De fato, quanto maior o voo maior a queda

Mas quanto maior a queda maior é a lição

E quanto maior a lição mais forte ficamos.

Robson Ribeiro

sexta-feira, 2 de julho de 2010

Memória-previsão

Paradas ali, de fronte uma pra outra,

as criaturas queixavam-se da própria sorte:

A mais nova dizia: tenho inveja de você, Lua.

Você tá sempre aqui em cima, descansando.

Você tem todas as estrelas ao seu redor.

E você não precisa fazer mais nada.

A mais velha: pois eu te invejo, Fada.

Você ainda tem suas belas asas.

Você ainda não se prendeu à uma rotina.

Você ainda não precisa esconder uma das faces.

Quando dei por mim, pensei:

Acho melhor parar de reclamar do espelho.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

O beat da beata (título emprestado)

Ela era, ainda, uma incógnita. Havia demonstrado interesse por diversas vezes, enquanto eu era comprometido. Quando fiquei solteiro, porém, não deu muita abertura às minhas investidas. Na verdade, não deu nenhuma.

Nós (o Emerson, o Gui e eu – democraticamente em ordem alfabética) tínhamos o hábito de dar apelidos às garotas, afinal, nós sempre falávamos de tantas garotas que era impraticável lembrar de todas elas “apenas pelo nome”. Elas precisavam de um rótulo pra serem identificadas de imediato.



    • ...ela não ligou. Eu não sei mais o que fazer, acho que vou desistir de sair com ela. - desabafei com os rapazes.

    • Espera aí, ela quem? - perguntou o Gui.

    • A Ju, já falei. - respondi, meio indignado. Parecia que não prestavam atenção.

    • A, “a Ju”. Grande coisa. Como vamos saber qual de suas 419 paixões desse mês é a “Ju”? - defendeu-se o Gui.

    • Verdade – interveio o Emerson – você tem que dar um apelido pra ela.




Pensei. Qual era a característica mais acentuada que eu conhecia daquela moça?



    • Tá bom. Então “essa” vai ser a “Beata”.




Beata! Uma lâmpada acendeu-se sobre minha cabeça – aquela das ideias geniais. “Por que eu não pensei nisso antes?” - pensei.



    • Já sei como vou fazer pra sair com ela!




Contei-lhes o plano.



    • Nossa! Isso é perfeito! Você não presta, mas o plano é perfeito! - disseram os dois, quase em uníssono.




Dois dias depois, falei com a Beata pelo MSN:



    • ...e por isso eu não pude ir na visita técnica que a escola promoveu. Pior que é muito importante que eu assista, pois haverá uma prova sobre isso. Você não gostaria de ir comigo? - perguntei.

    • Mas é claro!! Nem acredito! Eu nunca fui assistir! Nunca pensei que você me chamaria prum lugar desses! Faz assim, eu te ligo amanhã pra gente combinar melhor!

    • Mas vai ligar mesmo, ou vai me deixar no vácuo como da outra vez?




Ela ligou.

Marcamos o passeio pro dia seguinte.

Era domingo de manhã – alguns dirão que 10 horas da manhã é madrugada prum domingo. O dia estava simplesmente lindo! O céu bem azulzinho, limpinho. Temperatura muito agradável, algo em torno dos 25 graus. Os prédios enormes projetavam uma sombra por todo o Largo, e uma brisa geladinha me tocava o rosto. Era uma manhã perfeita pro romance. Eu estava encostado junto à saída do metrô esperando ela chegar.
    - Nossa – falei, surpreso (talvez até demais) – você está linda!

Ela vestia uma sandalhinha, calça jeans, uma blusinha branca com alguma coisa cinza (não sei o que era aquilo!) sobre os ombros. O cabelo curto repuxado num rabinho-de-cavalo com algumas “mini-piranhas” prendendo umas madeixas rebeldes e o rosto levemente maquiado – o mínimo pra dar um toque sensual, e o máximo pra não incomodar o...padre?! Sim. O padre.

Calma. Não a pedi em casamento – já passou o tempo em que as beatas (e as mulheres em geral) se guardavam pra casar de branco.



    • Obrigada – ela respondeu. Vamos entrar?

    • Claro! Já vai começar!




Entramos. Ela fez o sinal da cruz.

O Mosteiro de São Bento (São Paulo, SP) foi a minha salvação. Chamei a Beata pra assistir ao Canto Gregoriano das missas de domingo. Como estudante de regência, era mesmo necessário assistir. Como conquistador barato, foi a última cartada – desesperada, confesso – pra conseguir sair com a moça e não perder a moral.

Deu certo. Depois de longas duas horas em pé ouvindo cantos em latim e sermões em grego - pra mim os padres sempre falam grego – nós demos uma volta pelo centro da cidade e, bom, não preciso entrar em detalhes...

Robson Ribeiro