segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Uma peça do Destino

Dezessete horas, seu expediente acabou. Num relance pensou ter visto a imagem da moça na janela a lhe esperar do lado de fora, como era costume quando ainda eram namorados mas não, ela não estava lá. Há alguns dias ela não aparecia.

Ele organizou os micrômetros e os blocos-padrão (instrumentos de medição geométrica de precisão, muito utilizados na indústria metalúrgica) no desempeno de granito (espécie de bancada para trabalhos de medição) e tirou as luvas cirúrgicas. Pegou o cd no computador e, ao guardá-lo na caixinha enquanto desligava o PC, não pôde deixar de ler novamente a dedicatória no encarte do cd: “Feliz nosso primeiro dia dos namorados. Eu te amo, Rá”.

Aquele foi um dia dos namorados inesquecível para ele, e não pelo fato de ganhar um cd do John Fogerty – seu ídolo, líder do Creedence Clearwater Revival – mas sim por ser o seu primeiro dia dos namorados ao lado de uma namorada. Ex-namorada, agora. “Se ao menos ela respondesse meu email...” - pensou.

Tirou seu avental branco, as pantufas descartáveis dos pés, pegou sua bolsa e saiu, trancando a porta do Laboratório de medição e calibração da Escola. Apesar de ser apenas um estagiário, gozava de plena confiança dos seus superiores, inclusive para encerrar o expediente sozinho. Foi direto para o banheiro se trocar, mas não iria embora. Ainda teria uma longa jornada de aulas para assistir. Pelo menos teria um pequeno intervalo para se distrair um pouco.

A camisa do uniforme da escola deu lugar à camisa do Iron Maiden, banda de heavy metal britânica que adorava, e a calça jeans ao calção da equipe de futebol da Eletropaulo, time do qual fizera parte no ano anterior. Ao chegar na quadra da escola, não pôde evitar dar uma olhada no banco onde costumavam namorar antes das aulas – e só antes mesmo, pois ela jamais lhes permitiu matar aula. “Talvez ela tenha lido o email. Talvez ela venha pro nosso banco, pra fazermos as pazes...” - ele ainda gostava dela, ainda tinha esperanças de reatar o namoro.

A verdade é que isso era impossível. Ela havia sido muito clara naquele dia: não o amava mais. Mesmo que ele não pudesse enxergar, ela falava sério – não era só uma briga adolescente como das outras inúmeras vezes em que romperam 'virtualmente' a relação.

Ele foi o primeiro a ser escolhido – era um ótimo goleiro, de fama entre as salas da escola, e contar com um bom goleiro era meio caminho para a vitória. “Meu tio ficaria orgulhoso de me ver jogando no gol, seguindo os seus passos” - ele tinha um carinho especial pelo tio goleiro.

“Hoje eu não quero tomar nenhum gol. Se hoje eu não tomar nenhum gol, ela vai aparecer naquele banco pra gente reatar!” - mesmo com seus quize anos, ele ainda fazia esse tipo de aposta com o destino, e tinha lá suas razões, no semestre passado havia funcionado: “Se hoje eu fizer um gol, vou ficar com essa garota”. Ele fez três, e namorou a moça por dez meses. Seu time, porém, perdera aquele jogo pelo placar de dezesseis a quatro.

O jogo começou.
Ele nunca fora tão 'bombardeado' num único jogo. Acontece que o rapaz que escolheu o time o fez muito bem quando o pegou para goleiro, mas os jogadores de linha eram um completo disastre na defesa. Mas ele gostava assim – gostava de participar do jogo, e nada melhor para um goleiro quando o time não se defende muito bem.

“Queria que ela tivesse aqui vendo isso! Hoje eu tô fora de série! Já vencemos três partidas e ainda não tomei nenhum gol!” - ele estava muito contente com seu desempenho. Faltavam apenas quinze minutos para bater o sinal de início das aulas. Foi então que aconteceu.

Ela veio chegando, andando pelo caminho ao lado da quadra em direção ao banco deles. Ele não conseguiu tirar os olhos da moça, que estava linda como sempre. Ele estava radiante, não podia acreditar que ela estava ali. Ela passou por ele e os olhares se cruzaram por um instante. E nesse mesmo instante veio o chute.

A bola entrou. Ele tomou um gol.

Ele olhou pra traz a tempo de ver a bola estufar a rede e a moça passar direto pelo banco deles, e entrar no refeitório da escola.

Eles nunca mais reataram o namoro.


Robson Ribeiro

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