quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Auto-análise

O rapaz entrou no consultório inseguro. Era sua primeira vez. O ambiente tentava ser agradável – era amplo e tinha grandes janelas por onde entrava uma boa quantidade de luz solar. Os muitos vazos aliados às pinturas nas paredes davam um colorido aconchegante e os móveis eram de madeira maciça, imponentes e confortáveis.

Mas aquela coisa por trás dos nervos ópticos insistia em permanecer alerta.

    • Pode sentar-se. Se prefirir, pode se deitar também - disse-lhe o doutor.

    • Obrigado.

O rapaz sentou. Ainda sentia-se um tanto desconfortável.

    • Então, o que lhe traz aqui?

    • Eu...hum...er...preciso de ajuda.

    • Entendo. Então, pode começar. Fale, abra-se comigo.

    • Eu não sei exatamente sobre o que falar...

    • Que tal começar falando sobre a tua família?

    • Hum...pode ser. Na verdade eu não tenho problemas com a minha família. É claro que todos nós somos um tanto problemáticos mas, apesar de tudo, eu sei que cada um só quer o bem um do outro – à sua maneira – então eu procuro entender o ponto de vista alheio e não me deixo magoar com o comportamento deles...

    • Entendo. E quanto aos seus relacionamentos amorosos? Você já teve alguns, não?

    • Sim, é claro. Também não tenho problemas quanto a isso. Lidar com a rejeição é uma luta constante, mas tenho aprendido muito com isso. Ficou mais fácil quando descobri que primeiro preciso amar a mim mesmo. Tenho tentado me seduzir. É uma paquera gostosa essa, sou a pessoa mais interessante que já vi. Olhar pra dentro sempre traz uma nova descoberta...

    • Entendo. E sobre...

    • Será que eu posso tomar um pouco d'água? Minha garganta anda muito seca ultimamente...

    • Mas é claro. Fique à vontade.

O rapaz se levantou e caminhou, um pouco mais confiante, em direção à copa. Tomou dois copos d'água e mesmo assim continuou engolindo seco. “É. O problema não é falta d'água. Eu já sabia. Espero que o doutor possa me ajudar...” pensou.

    • Podemos continuar?

    • Sim.

    • E quanto aos seus amigos? Sua relação com eles é boa?

    • Sim. Eles também não têm culpa...

    • Culpa?

    • Sim. Na verdade são todos vítimas. Não consigo deixar de olhar pra eles – e pra toda sociedade – e ver um bando de formiguinhas, num grande formigueiro (ou vespeiro?), programadas pra cavar, fazer ninho, pegar folhinha, guardar folhinha, comer um pouco (às vezes) e trabalhar pra rainha (sempre). Estão todos vendados. Dopados. Acham que o mundo é mesmo feito de sombras – não veem a imagem verdadeira. Mesmo o senhor, doutor, me parece uma formiguinha.

    • Entendo. Se você não tem problemas, então como acha que eu posso te ajudar?

    • O senhor não pode. Não da maneira que pensa poder.

    • Como, então?

    • Gostaria que o senhor me internasse num hospício.

    • Hospício?

    • É. Eu não estou no padrão do formigueiro. Sou anormal. O senhor conhece algum que possa viver em sociedade?

2 comentários:

  1. Olá! Minha primeira vez aqui, gostei bastante e por alguns motivos me identifiquei com o post. Qualquer coisa da uma passada lá no blog.
    Abs!

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